São Paulo, terça, 24 de fevereiro de 1998

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Artista odiava pessoas de idéias simples

FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio

Robert Descharnes, 72, conheceu Salvador Dalí no inverno de 1950 para 1951, a bordo de um navio entre a Espanha e a América. Nunca mais se separaram. Por 40 anos, Descharnes foi seu secretário, amigo e colaborador. Dalí legou-lhe em testamento a gestão e os direitos de reprodução sobre sua obra, que rendem lucros superiores a US$ 3 milhões anuais.
Descharnes fotografou o cotidiano de Dalí e montou um banco de imagens sobre a sua vida e obra. É hoje apontado como um dos maiores especialistas na obra do mestre surrealista. Em entrevista por telefone à Folha, Descharnes falou sobre Dalí e seu legado.

Folha - Como era a convivência com Salvador Dalí?
Robert Descharnes -
Ele adorava se colocar em cena e ser o senhor dela. Era um gênio, e a genialidade sempre se desdobra em egoísmo. Era extremamente curioso, buscava pessoas que lhe trouxessem informações para instigar sua imaginação. Ao mesmo tempo, não era uma pessoa gentil. Era até feroz, odiava pessoas de idéias simples. Lembro-me de que ele recebia visitas dos amigos com um crânio de elefante na sala. Se alguém estranhava, ele dizia: "Para algumas pessoas, não há verão sem pinheiros, para mim, não há verão sem o crânio do elefante".
Folha - Qual o segredo de Dalí para popularizar o surrealismo?
Descharnes -
Nunca estava satisfeito com sua criação. Embora tivesse dom invulgar para a pintura, não se enclausurou no próprio talento e buscou novas criações.
A fonte genética de Dalí é a Espanha, mas sua história só se completou com passagens pela França e pelos EUA. Ele fazia a própria publicidade e tinha especial apreço pelo rigor do conhecimento e pelo poder da comunicação.
Folha - Qual é a maior colaboração de Dalí a seu século?
Descharnes -
A curiosidade. Era um homem tenaz e interessado em novas descobertas. Interessou-se por logaritmos, DNA (ácido desoxirribonucléico, que contém o código genético) e pelo fenômeno nuclear. Dalí era um homem de obsessões e premonições. Sua imagem síntese, a dos relógios moles, mostra isso: a consciência de que o tempo corre e escorrega.



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