São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


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PATRIMÔNIO
Catorze obras do pintor primitivista José Antonio da Silva, um dos mais importantes do Brasil, estão abandonadas
Murais apodrecem no interior de SP

ELIANE SILVA
da Agência Folha, em São José do Rio Preto

Em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, 14 murais de José Antonio da Silva, um dos mais importantes pintores primitivistas do Brasil, apodrecem em um imóvel no centro da cidade, onde ele foi revelado e viveu por mais de 30 anos.
Outras 92 pinturas e 52 esculturas do artista estão encerradas no porão do Teatro Municipal da cidade à espera de uma reforma no prédio do Centro Cultural, que abriga o Museu de Arte Primitivista José Antonio da Silva.
Os 14 painéis abandonados, de 0,60 m x 0,80 m, contam a vida de Silva, que morreu há quatro anos, e foram pintados pelo artista diretamente nas paredes da casa que abrigou o antigo Museu de Arte Contemporânea de Rio Preto entre 1966 e 1980, quando foi inaugurado o Centro Cultural.
O imóvel onde estão os murais é da prefeitura, mas está cedido há 26 anos a um centro de tratamento para drogados, mantido pela Betel, uma entidade beneficente.
O prédio nunca passou por reformas, e os painéis não tiveram restauração. As obras apresentam rachaduras devido à infiltração de água nas paredes, estão sujas, sem iluminação e sem cuidados.
Os clientes e a maioria dos funcionários do centro não sabem de quem são as obras que se estragam nas paredes.
Segundo o professor e escritor Romildo Sant'Anna, 51, o artista nunca recebeu o reconhecimento que merecia em Rio Preto. "Silva era um pintor primitivista brilhante. Integrou a Bienal Internacional de São Paulo várias vezes, foi festejado por grandes críticos como Pietro Maria Bardi e participou de exposições na Europa, Cuba e Estados Unidos. Mas sempre foi tratado como exótico, louco ou folclórico na cidade que escolheu para morar", afirmou.
Sant'Anna analisou a obra de Silva em sua tese de doutorado na USP, que foi transformada em livro publicado primeiro em Cuba e depois no Brasil com o título "Silva/Selva: Quadros e Livros" (editora Unesp).
"Rio Preto teve de engolir Silva porque ele ganhou prêmios internacionais e tinha admiradores fora da cidade e do país. Não aplaudi-lo seria mostrar total ignorância", disse a escritora e jornalista Dinorath do Valle.
Sant'Anna, que dirigiu o museu Silva por cinco anos, afirmou que as pinturas-murais precisam ser levadas para um museu. "O poder público as despreza." Sant'Anna contou que o artista também pintou imagens de sua vida nas paredes da casa onde morava. Mas o imóvel foi demolido.
Olívio Tavares, crítico e cineasta, também lamenta que as obras de Silva estejam abandonadas em Rio Preto, mas afirmou que os murais não representam o melhor da pintura do primitivista.
No final de 98, Araújo organizou uma exposição das obras de Silva na Pinacoteca de São Paulo. Foram mostrados 220 trabalhos do artista. Ele publicou também um livro ("Silva, a Pintura e não o Romance") e editou um CD-ROM com as principais obras, biografia e cronologia do artista.
"Silva foi o retratista de um certo Brasil caipira, mas não bucólico. Ele era espontâneo com um componente crítico muito forte em suas telas." Segundo Araújo, só a pintura do goiano Antonio Poteiro se compara à de Silva.
"Prefiro dizer que Silva era um pintor espontâneo e não primitivista, ou naïf, porque essa expressão pode lembrar uma arte primária, ingênua. Ele não tinha nada de ingênuo", afirmou.
Segundo ele, as obras, especialmente da fase entre 1954 e 1960, valem de US$ 2.000 a US$ 16 mil.
O Museu de Arte Primitivista José Antonio da Silva está fechado desde outubro de 1998, quando o prédio do Centro Cultural foi interditado pela prefeitura.
Mesmo fechado à visitação, as obras ficaram expostas nas paredes até setembro, quando começaram a ser transferidas para o porão do Teatro Municipal.
Na época, a museóloga Katia Filippini, que prestava serviços à prefeitura, alertou a administração de que as peças precisavam de cuidados e teriam de ser expostas em uma sala climatizada.
Atualmente, a prefeitura não tem funcionários especializados no trato com obras de arte. Antonio Sergio Lourenço, dos serviços gerais, é quem cuida dos três museus do município.
Ele foi o criador dos cavaletes de madeira que sustentam as obras de Silva no porão do teatro. "Vi uma reportagem na TV e tentei copiar o modelo."


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