São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA
Stoklos recria vozes para temas disparatados

NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba

Tem acontecido seguidamente neste festival: lá pela segunda hora, o espetáculo se vê sem palavras e acaba abruptamente, como que improvisado.
Foi assim com Antônio Abujamra, Gerald Thomas e até com Fernando Guerreiro, no Fringe. E foi assim com "Vozes Dissonantes", de Denise Stoklos.
Como os demais, a atriz e diretora se saiu com uma proclamação em primeira pessoa, em parte sobre sua própria dificuldade, no caso, de fazer um espetáculo só com os pensadores "dissonantes" do Brasil.
E nem chega a ser verdade: até começar o que ela chamou de "mantra", no final, que está mais para um discurso, o monólogo encadeia cenas bem realizadas com textos diversos de autores que vão de Caminha a frei Betto.
Sua interpretação de um sermão de padre Vieira, com direito a um jorro de gestos ricamente expressivos, como era próprio dos sermões barrocos, é uma comprovação brilhante de que a obra de Vieira é das mais teatrais, embora raramente seja vista como tal.
O jesuíta fala da "antropofagia" dos brancos, que vivem para tirar proveito uns dos outros. São temas os mais diversos, até disparatados, aqueles de "Vozes Dissonantes" -do potencial de energia do Maranhão ao trânsito. Mas em todos está presente a revolta "dissonante", contra a opressão de cinco séculos.

"Solitude"
"Solitude", monólogo de Alice K. sobre texto de Zeami, no Fringe, exige que o público entre em outra sintonia, distante da pressa e do ruído cotidianos.
Na praia, sob o som das ondas, o tempo é outro nesta peça nô que retrata a solidão. Mas é difícil entrar em outro tempo, quando na sala ao lado outras peças tocam trilhas ruidosas -e o som vaza. Alice K. chega a parecer heróica, mantendo a concentração sob o ataque incessante.
O melhor da peça está nas cenas em que a solidão se desmancha em sensualidade, em sequências gestuais que vão da timidez à violência. É como se a personagem enfrentasse uma saudade da sensualidade: ela foi deixada na praia depois de, como diz, ter sido amada e desarmada.
De outro lado, alguns jogos com objetos resultam óbvios. E no mais das vezes "Solitude" é bem melhor com gestos e coreografia do que com o verbo.


Texto Anterior: 9º Festival de Teatro de Curitiba: Vida e arte de palhaços em crise
Próximo Texto: Cony é o novo membro da Academia Brasileira de Letras
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.