São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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"DEPOIS DAQUELE BAILE"/CRÍTICA

Bomtempo dirige comédia com ar teatral

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

A personagem de Fernanda Montenegro ocupa o tempo bisbilhotando um vizinho em "O Outro Lado da Rua" (2004) e as irmãs de "Filhas do Vento" (2004) ainda se mantêm distantes em função de diferenças estabelecidas décadas atrás. Ao também se dedicar à "melhor idade", "Depois Daquele Baile" apresenta gente que está um pouco lá (solitária, com agenda a preencher) e um pouco cá (com fantasmas familiares não exorcizados).
Difícil não simpatizar de cara com as circunstâncias, que o ator e produtor Roberto Bomtempo, em sua estréia na direção de longa-metragem, costura à moda mineira. Tudo caminha devagar, em torno de papos e refeições intermináveis, em um pedaço de Belo Horizonte tratado com nostalgia, embora, a certa altura, a violência urbana dê as caras.
Para reforçar a idéia de separação entre esses dois mundos, a viúva Dóris (Irene Ravache) mora em uma vila isolada da rua por um portão. Passar por ele é privilégio de poucos, entre eles o aposentado Freitas (Lima Duarte) e seu amigo Otávio (Marcos Caruso), que trabalha duro para sobreviver. O grupo inclui a empregada doméstica de Dóris (Ingrid Guimarães), uma vizinha (Regina Sampaio) cujo marido desapareceu e um ex-padre que se vira como garçom (Chico Pelúcio).
Difícil também não simpatizar com o registro discreto que o elenco adota, em especial na construção da cumplicidade disfarçada de rivalidade entre Freitas e Otávio. Tivesse o Brasil indústria do audiovisual consolidada, e os dois poderiam dar origem a um seriado sobre homens de terceira idade (a dramaturgia lembra mesmo a da TV). Sem ranço: Duarte e Caruso encarnam de forma espirituosa e bem-humorada as agruras da condição.
A defesa de certos valores é límpida, até ostensiva. Paira o tempo todo no ar a importância dos laços de amizade para suportar as perdas de diversas naturezas que a idade acarreta, mas há outros temas associados a esse: nunca é tarde para reparar erros, corrigir rumos, entender os defeitos do outro, realizar desejos, buscar o amor. Alguém seria contra?
Essas idéias são enfraquecidas pelo desenvolvimento titubeante da história. O registro de crônica conduz a certa fragmentação, mas o desaparecimento temporário de alguns personagens e o modo quase burocrático com que certas situações se sucedem conduz à suspeita de que faltou unidade narrativa. O predomínio do verbo sobre a imagem também não ajuda, ainda que haja poesia visual em seqüências-chave.
Cumpre informar, o que talvez explique um pouco como o filme se estrutura, que o roteiro de "Depois Daquele Baile", assinado pela jornalista Susana Schild, é baseado em peça teatral, escrita pelo ator e dramaturgo Rogério Falabella. Natural que eventualmente a transposição tenha se mantido refém do texto original e das soluções de encenação no palco: vem daí, também, o que essa comédia romântica tem de melhor.


Depois Daquele Baile
  
Direção: Roberto Bomtempo
Produção: Brasil, 2006
Com: Lima Duarte, Irene Ravache, Marcos Caruso
Onde: estréia hoje os cines Morumbi, Espaço Unibanco e circuito


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