São Paulo, Quarta-feira, 24 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA
Em "Nijinski", ator é Narciso

NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba

Corre a lenda que um dia o diretor Antunes Filho, para mostrar a um visitante o domínio da técnica em seu elenco, chamou Luis Melo e ordenou: "Chora". O ator imediatamente chorou. "Agora, pára." E ele parou.
A piada lembra o monólogo "Nijinski", uma exibição de domínio da interpretação que correu por mais de uma hora e arrancou gritos de "bravo" no Festival de Teatro de Curitiba.
O impacto desde o início está nas expressões do ator, que não busca, nem poderia, é óbvio, dançar como Nijinski. Os semblantes, como que num apanhado de emoções, num teste do espelho, impressionam por sua interiorização -seja lá o que representem.
Quando Melo começa a falar, inicia-se uma ladainha que pouco vai se alterar, até o final. "Eu sou eu. Nijinski é deus." Ou: "Eu sou o belo". Embora se reportem a um diário do próprio bailarino, trata-se, é flagrante, do ator. (E vale dizer que o diário de Nijinski acaba de ser reeditado sem as intervenções de sua mulher, que criaram muito do mito do artista "louco" da peça.)
Para aceitar um significado real, além da mera exposição de domínio técnico, é preciso acreditar que o ator está levando o próprio exibicionismo ao limite, tornado arte. E assim transforma uma frase qualquer que escreve em movimento, verdadeiramente "belo". E quando Nijinski, ou melhor, o ator se diz um operário, um imperador, "deus", trata-se também do "belo". "Eu sou tudo."
Mas o exibicionismo do ator alçado a poeta, tal concentração no indivíduo, naquele monólogo de um intérprete ensimesmado, mais um monólogo sobre um louco, como tantos anteriores e de igual ostentação -é difícil, quando o espectador não se deixa levar pelo fascínio, suportar "Nijinski". O fauno tornou-se Narciso.
Por esse personagem, muito mais do ator do que do bailarino, a peça tem sua arte, mas a sequência narcísea parece recusar a obra de um poeta, a encenação, em suma, o próprio teatro. Que não se entenda mal: "Nijinski" desenvolveu uma dramaturgia fragmentária de efeito, na adaptação de Doc Comparato. E leva à cena, pelas mãos das diretoras Rossella Terranova e Cláudia Schapira, uma precisão quase obsessiva, por sinal, técnica.


Texto Anterior: Televisão: "Arquivo X" cita Hitchcock e topa com nazistas
Próximo Texto: "Andando nas Nuvens"/Crítica: Nova novela parou no tempo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.