São Paulo, sexta, 24 de abril de 1998

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Corpos convivem com cores

especial para a Folha, de Londres

A obra de Damien Hirst é um universo de contradições, onde celebrações da vida e do desejo se justapõem a elucubrações sobre a inevitabilidade da morte e a decadência humana.
São alegres bolotas sobre tela nas "spot paintings", bolas de gomos coloridos e balões flutuantes nas esculturas da série "Celebration", em contraste com uma gama de elementos macabros como cadáveres de animais, cabeças decepadas, cinzeiros lotados e lixo cirúrgico. Uma cosmologia representativa da visão paradoxal que Hirst mantém sobre tudo.
"Gosto de falar algo e contradizer o que digo em seguida", disse o artista em conversa ao telefone, "e só me sinto confortável continuamente fazendo coisas que contradizem todo o resto que já fiz".
Talvez isso explique sua decisão de abrir um restaurante -um negócio, uma máquina de fazer dinheiro- que ao mesmo tempo é uma experiência visual ou, como ele pondera, "um ideal artístico".
"Sempre falei do meu desejo de fazer uma arte mais viva, ou com mais vida. Mas arte não é vida, e eu tenho consciência dos paradoxos", diz Hirst. "Quero empregar o que eu tenho em outras funções, quero fazer coisas reais. Meu filho é real, minha namorada é real, beber, comer e fumar é real".
Significados artísticos não são fixos ou absolutos. Como artista, Hirst se alinha a Andy Warhol, que fez filmes para o cinema, fundou a revista "Interview" e publicou literatura conceitual nos anos 60 e 70, e Jeff Koons, que desceu na onda da celebridade até o final, ao casar-se com Cicciolina.
"Estou interessado em relacionamentos. Tudo se relaciona, eu me relaciono com todos os objetos e pessoas. Por que a arte só pode se relacionar com a arte"?
Inúmeras opiniões críticas dizem que Hirst perdeu a integridade artística. Uma coisa ele admite: "Tenho a maior dificuldade de levar qualquer coisa muito a sério. Eu poderia colocar uma galinha em um tanque e intitular a obra de "Galinha'", ironiza o artista.
Nesse sentido, depois de ter feito esculturas com tubarões, vacas, ovelhas e porcos em formol, Pharmacy parece mesmo seu empreendimento mais criativo.
O fato é que Hirst progride, "de forma orgânica", sem diretrizes estabelecidas. "Sabe o que eu mais gosto da vida? Tudo. E o que eu quero na vida? Sou um egoísta, quero tudo", afirma ele, voraz. "Arte não é tudo. Escolher por quê?"
O que mais impressiona nessas declarações hiperbólicas é que elas não são meras palavras lançadas ao vento. Hirst realmente vive de acordo com o que filosofa. Seus filmes, capas de discos, cenários de óperas, campanhas nas revistas das moda, restaurante e, por último mas para sempre, suas obras de arte, estão aí para comprovar que o seu negócio é mesmo tudo. (MF)


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