São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 2000


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Superintendente do museu questiona espaço obtido no parque pela Associação Brasil 500 Anos
Secretário Ricardo Ohtake recebeu R$ 200 mil para fazer os catálogos da Mostra do Redescobrimento
MAM vê "privatização branca" do Ibirapuera

Patrícia Santos/Folha Imagem
A Oca, antigo Museu da Aeronáutica, espaço disputado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo e pela Associação Brasil 500 Anos


KENNEDY ALENCAR
FABIO CYPRIANO


DA REPORTAGEM LOCAL

O superintendente do MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo), Ronaldo Bianchi, diz que "há uma "privatização branca" do parque Ibirapuera com autorização chapa-branca".
Bianchi entende por "privatização branca" o modo como a Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais obteve espaços no parque paulistano para realizar a Mostra do Redescobrimento. O superintendente refere-se à ocupação de parte do Ibirapuera pela associação presidida por Edemar Cid Ferreira, que organizou a mostra em comemoração dos 500 anos do Descobrimento.
"Não sei qual mágica Edemar usou para ficar com a Oca, um espaço que o MAM pleiteava desde 97", diz Bianchi.
O MAM, alojado sob a marquise do parque, está em situação irregular, em desacordo com o projeto de Oscar Niemeyer. No plano do arquiteto, todo o vão sob a marquise deve ficar livre. Pressionado a sair do local, o museu tinha interesse na Oca, mas perdeu a disputa para Cid Ferreira.
A "mágica" mencionada por Bianchi seria a relação de Cid Ferreira com o secretário municipal do Verde e Meio Ambiente, Ricardo Ohtake, cujo escritório de arquitetura recebeu R$ 200 mil para fazer o projeto dos 14 catálogos da Mostra.
A Folha apurou que Ohtake interferiu na negociação entre a associação e a Fundação Santos Dumont, entidade que detém o direito de uso da Oca. O apoio político teria acontecido também em relação à Associação Amigos da Pinacoteca e ao Museu do Folclore, espaços onde ocorrem exposições da Mostra. Cid Ferreira e Ohtake negam tráfico de influência em troca do serviço dos catálogos.
Juridicamente, a Associação Brasil 500 Anos tomou todos os cuidados. Tem contratos particulares com entidades para o uso de suas instalações. Ao poder público municipal, caberia levantar óbices à transferência dessas cessões de uso, o que não aconteceu.
Um decreto do prefeito Celso Pitta e do secretário Ohtake, de 18 de abril deste ano, confere legalidade à participação de "entidades sem fins lucrativos", como a associação de Cid Ferreira, na "Festa do Brasil 500 Anos".
Politicamente, porém, auxiliares do prefeito relatam, sob reserva, como Ohtake ajudou indiretamente Cid Ferreira. Amigo do prefeito, a quem teria emprestado R$ 800 mil, Jorge Yunes preside a Santos Dumont, que cedeu até o final de 2003 o espaço da Oca para Cid Ferreira. Ohtake falou com Pitta, que falou com Yunes.
O MAM tinha interesse na Oca. Pediu o espaço informalmente ao prefeito em 1997 e o solicitou por carta em 13 de maio de 99, mas, no dia 17 do mesmo mês, Cid Ferreira fechou com a Santos Dumont.
Edemar Cid Ferreira diz que, pelo contrato, sua associação poderá usar a Oca até o fim de 2003. Como a Associação Brasil 500 Anos será extinta em 31 de dezembro de 2002, por força de estatuto, há um vácuo de um ano. Cid Ferreira diz que uma eventual prorrogação dessa cessão de uso não está nos seus planos e que a associação decidirá se devolverá o espaço à Fundação Santos Dumont ainda em 2002 ou se o entregará naquele período à Fundação Bienal.
Aliás, o estatuto da Associação Brasil 500 Anos prevê que o patrimônio arrecadado fique com a Fundação Bienal. Uma cláusula joga a responsabilidade por dívidas para Cid Ferreira.
Para os críticos de Cid Ferreira, é mais uma prova de o que chamam de "personalização" de suas ações de mecenato. Para ele, é a garantia de que "acredita no projeto" e "uma demonstração de que não tem interesse em nenhum benefício pessoal".
A batalha não se restringe a uma rusga entre o MAM e Cid Ferreira, mas ocorre dentro do conselho de administração da Fundação Bienal, que criou a Associação Brasil 500 Anos, responsável pela Mostra do Redescobrimento.
Um grupo de conselheiros da Fundação Bienal ataca o "modus operandi" de Cid Ferreira, também um conselheiro. Esse grupo vê a influência de Cid Ferreira sobre a secretaria de Ohtake, à qual o parque está subordinado, e sobre o presidente da Fundação Bienal, Carlos Bratke, que seria manipulado por ele. A Folha apurou que, no começo do ano, quando a posição de Bratke como presidente esteve ameaçada, Cid Ferreira atuou para mantê-lo no cargo.
"É tudo um jogo de prestígios pessoais", diz Luiz Seraphico de Carvalho, presidente do conselho da Fundação Bienal, a respeito das relações entre Cid Ferreira, Bratke e Ohtake. Na semana passada, Bratke anunciou que Ohtake será o curador da 5ª Bienal de Arquitetura de SP, mas disse que a indicação foi de Glória Bayeux.
Milú Villela, presidente do MAM e conselheira da Fundação Bienal, diz que "Edemar deseja tomar conta do parque" e que Bratke adiou a Bienal de 2001 para 2002 a fim de "atender aos interesses particulares do Edemar, que não quer ter competidores para a mostra itinerante que deseja fazer em 2001, e para permitir que a equipe da fundação, a mais bem treinada no Brasil para preparar exposições, fique a serviço da Associação Brasil 500 Anos".
Traduzindo: é a segunda vez que a Bienal de Artes é adiada. Deveria ter ocorrido neste ano, mas foi adiada devido à Mostra. Prevista para o ano que vem, foi novamente postergada, sob a alegação de que o prédio da Bienal, onde se concentra a maior parte da mostra atual, necessitará de reformas. Logo, só em 2002 o evento poderia acontecer.
Essa decisão, que parte dos conselheiros tenta reverter, deixaria, nas palavras de Milú, o caminho livre para que Cid Ferreira obtivesse patrocínio para a exposição itinerante da exposição dos 500 anos que pretende fazer pelo país e no exterior.


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