São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

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CRÍTICA

"Spirited Away" não perde substância humana

PEDRO BUTCHER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O público que lotou as 700 poltronas do Odeon BR, no Rio, na noite de sábado passado, entrou no cinema meio desconfiado e saiu boquiaberto. Pairava no ar, ao fim das duas horas de projeção de "Spirited Away", uma certa sensação de descoberta.
Não que o cineasta em questão fosse um estreante. O animador Hayao Miyazaki, 61 anos, dirigiu seu primeiro filme em 1978. Mas o fato é que só agora sua obra é reconhecida no Ocidente.
"Spirited Away" recebeu a atenção merecida depois que os organizadores do Festival de Berlim resolveram incluí-lo na competição, em fevereiro passado. Para espanto geral, o júri presidido por Mira Nair ("Um Casamento à Indiana") ousou premiá-lo com o Urso de Ouro (dividido com "Bloody Sunday"). A justiça do prêmio pode ser conferida antecipadamente no Anima Mundi, já que a previsão de lançamento comercial é para janeiro de 2003.
Alguns já definiram o desenho como uma versão japonesa de "Alice no País das Maravilhas". Pode ser. Mas certamente não a "Alice" da Disney, e sim a original, de Lewis Carroll. Miyazaki, como Carroll, assina uma obra de invenção, como poucos filmes animados se permitem ser. Em geral contaminado pela criatividade excessiva ou pela caretice pasteurizada, o gênero raramente alcança tal maturidade.
Diferentemente de "Shrek", cujos animadores se gabavam de ter usado técnicas do cinema "live action", "Spirited" é pura animação, sem perder a substância humana. Substância que é a mesma dos sonhos. A passagem de Chihiro por uma casa de banhos povoada por bruxas, deuses e espíritos resulta num espetáculo muito doido, mas de puro encantamento. Cada personagem esquisito que surge é uma surpresa de fato. Não são apenas figuras exóticas, mas expressões de um certo imaginário, tão diferente do ocidental.
Fiel às características da animação japonesa, Miyazaki ganha apelo universal graças à impressionante capacidade de fabulação, o que adultos costumam perder.
A estranha passagem de Chihiro pelo mundo dos espíritos é pontuada por típicos pesadelos infantis (os pais da menina, por exemplo, são transformados em porcos), mas são as formas que ele cria e as situações absurdas, mágicas, os elementos mais cativantes de sua animação.
A duras penas, Miyazaki vem conquistando espaço num mercado dominado pela Disney. No Japão, já conquistou. "Spirited" foi visto por 21 milhões de pessoas. É a hora de muitos outros milhões abrirem os olhos para ele.


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