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CRÍTICA
"Spirited Away" não perde substância humana
PEDRO BUTCHER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O público que lotou as 700
poltronas do Odeon BR, no
Rio, na noite de sábado passado,
entrou no cinema meio desconfiado e saiu boquiaberto. Pairava
no ar, ao fim das duas horas de
projeção de "Spirited Away", uma
certa sensação de descoberta.
Não que o cineasta em questão
fosse um estreante. O animador
Hayao Miyazaki, 61 anos, dirigiu
seu primeiro filme em 1978. Mas o
fato é que só agora sua obra é reconhecida no Ocidente.
"Spirited Away" recebeu a atenção merecida depois que os organizadores do Festival de Berlim
resolveram incluí-lo na competição, em fevereiro passado. Para
espanto geral, o júri presidido por
Mira Nair ("Um Casamento à Indiana") ousou premiá-lo com o
Urso de Ouro (dividido com
"Bloody Sunday"). A justiça do
prêmio pode ser conferida antecipadamente no Anima Mundi, já
que a previsão de lançamento comercial é para janeiro de 2003.
Alguns já definiram o desenho
como uma versão japonesa de
"Alice no País das Maravilhas".
Pode ser. Mas certamente não a
"Alice" da Disney, e sim a original, de Lewis Carroll. Miyazaki,
como Carroll, assina uma obra de
invenção, como poucos filmes
animados se permitem ser. Em
geral contaminado pela criatividade excessiva ou pela caretice
pasteurizada, o gênero raramente
alcança tal maturidade.
Diferentemente de "Shrek", cujos animadores se gabavam de ter
usado técnicas do cinema "live action", "Spirited" é pura animação,
sem perder a substância humana.
Substância que é a mesma dos sonhos. A passagem de Chihiro por
uma casa de banhos povoada por
bruxas, deuses e espíritos resulta
num espetáculo muito doido,
mas de puro encantamento. Cada
personagem esquisito que surge é
uma surpresa de fato. Não são
apenas figuras exóticas, mas expressões de um certo imaginário,
tão diferente do ocidental.
Fiel às características da animação japonesa, Miyazaki ganha
apelo universal graças à impressionante capacidade de fabulação,
o que adultos costumam perder.
A estranha passagem de Chihiro pelo mundo dos espíritos é
pontuada por típicos pesadelos
infantis (os pais da menina, por
exemplo, são transformados em
porcos), mas são as formas que
ele cria e as situações absurdas,
mágicas, os elementos mais cativantes de sua animação.
A duras penas, Miyazaki vem
conquistando espaço num mercado dominado pela Disney. No
Japão, já conquistou. "Spirited"
foi visto por 21 milhões de pessoas. É a hora de muitos outros
milhões abrirem os olhos para ele.
Avaliação:
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