São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2000


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CRÍTICA
Afiada como nunca, enquanto a música se dissolve

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em afinação e confronto com seu tempo, a quarentona Madonna lança um disco chamado "Music" no momento em que música se torna conceito em dissolução, ao menos da maneira como era conhecida até aqui, com o aval e o cimento de uma indústria das mais poderosas. Bem, Madonna, você não está sozinha.
Nós do lado de cá, analistas de discos, talvez sejamos também, a partir desta data histórica, espécie em extinção. O conceito de "Music" está desmontado, suas faixas se desgarraram, pode-se criticar 60%, 70% de seu novo CD.
É um momento notável na história da música pop e, também -feliz coincidência-, na carreira de Madonna. OK, numa leitura à George Orwell, pode ser que todo mundo pegue de graça, Madonna fique pobre e a Warner Music vá à falência (hahaha, rirão os críticos, antes do desemprego).
Mas, um segundo antes do big bang, o mundo da música está cheio de vida. Madonna é grátis e -vamos à crítica- seu novo trabalho é o mais empolgado que já fez. Recuperou-se da carolice pós-maternidade de "Ray of Light" (98). Acostumou-se a ser mãe e quer a música de volta para si.
Pois música é o que não falta em "Music". Atravessado pela influência de William Orbit e por efeitos de robotização e virtualização (e "napsterização", viu dona Madonna?) da música, "Music" é funk, é disco music, é pop, é folk, é new wave anos 80 (sua origem, afinal), é trip hop, é tecno, é Neil Young e é Lenny Kravitz.
O CD (CD?) é 100% (100%?) futurista. Abusa de cibernética, vocoders, efeitos fofos. Reformulando digitalmente seus vocais hoje quase perfeitos, Madonna localiza-se entre o pioneiro Kraftwerk (citado evidentemente na faixa-título) e Cher (mãe da nova cafonice com o vocoder de "Believe").
Música borbulha no Carnaval à americana "Amazing", na sensacional "Nobody's Perfect", em "Paradise". Esta é o abismo negro: traga new age, robôs, trilha de cinema antigo, Serge Gainsbourg, "2001". Uau, Madonna nunca esteve tão afiada.
"Runaway Lover" é quase resumo. Kitsch-futurista, parece "Guerra nas Estrelas", espada-laser. Parece a volta da Madonna de "Like a Virgin" (84), a mais real de todas as madonnas. Ao final, a faixa (faixa?) involui no efeito batido de alguém pisando na tomada do aparelho. Mas... Madonna vai pisar na tomada do Napster?
É aguardar os próximos rounds. Está todo mundo no mesmo barco (submarino?). O mundo novo chegou, diferente de Orwell e de tudo que se imaginava. A música? Por enquanto sobrevive.


Avaliação:     

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