São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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CRÍTICA

Estética de videoclipe torna longa experiência exaustiva

CRÍTICO DA FOLHA

"Moulin Rouge" é o que se pode chamar de uma experiência exaustiva.
Exaustiva pela combinação de cores agressiva, que em certos momentos lembra os filmes de Terry Gilliam (tipo "Brazil, o Filme"), em que os olhos não têm descanso -o subtítulo "Amor em Vermelho" é o que se pode chamar de literal, e não lhe falta exatidão.
Exaustiva ao optar de forma radical por uma estética de videoclipe que, talvez pela primeira vez na história, se prolonga durante duas horas, praticamente sem parada.
Exaustiva pelo uso e abuso das trucagens e dos movimentos da câmera ostentatórios.
Exaustiva pelas canções, que lembram uma interminável entrega do Oscar.
Exaustiva pela banalidade da ficção (em resumo: aspirante a escritor apaixona-se por cortesã do Moulin Rouge; mas esta também é pretendida por um duque milionário e poderoso).
Seria possível relevar tudo isso no filme de Baz Luhrmann, autor, há alguns anos, de uma versão rastejante de "Romeu e Julieta", se Luhrmann se limitasse a isso.
Mas não. Ele se dedica a evocar esse templo da sem-vergonhice com objetivos estritamente moralizantes, a saber: demonstrar que no fundo de cada prostituta deste mundo existe um coração puro, que aspira ao amor -afinal, por vários motivos, "Moulin Rouge" é uma variante de "A Dama das Camélias", embora se pretenda uma reinvenção do mito de Orfeu.
Aceitemos o aspecto moralizante como parte das convenções do nosso tempo (o cinema americano vive uma espécie de momento neoclássico, que recupera histórias tipo "boy meets girl" e as coloca em novas roupagens).
Ainda assim, que dizer dos diálogos? Para ficar com apenas um deles: Zidler, o responsável pela casa noturna parisiense, repete pelo menos umas 20 vezes que "o show deve continuar".
Isso está longe de ser um aspecto isolado. Admite-se, num filme musical, que a ficção se arraste um tanto. Mas, quando lugares-comuns passam a ser repetidos a três por dois, algo de muito errado está acontecendo.
E a questão que "Moulin Rouge" termina por colocar é: será que está errado mesmo? Será que Luhrmann não faz tudo isso de caso pensado, convicto de que o público contemporâneo só consegue ser tocado pela repetição e recusa qualquer coisa que possa ser assimilado a uma experiência original?
A hipótese está longe de ser errática. Tanto nas músicas como nos diálogos abundam as apropriações de imagens passadas: de "Diamonds Are a Girl's Best Friend" (música que Marilyn cantava em "Os Homens Preferem as Loiras") a Madonna, aos Beatles, a frases célebres de velhos filmes, todos têm direito a uma aparição como se todo o prazer que o cinema nos reserva hoje não implicasse conhecimento, mas apenas reconhecimento.
É verdade que alguns poucos aspectos parecem tirar o filme da modorra. Um deles é a presença de Nicole Kidman. Infelizmente, Kidman termina soterrada sob o estilo pernóstico de Luhrmann.
No geral, é impossível deixar de concluir que, se o inferno for um filme musical interminável, é muito difícil que este não tenha a cara de "Moulin Rouge".
(INÁCIO ARAUJO)

Moulin Rouge - Amor em Vermelho
Moulin Rouge
 
Direção: Baz Luhrmann
Produção: Austrália/EUA, 2001
Com: Nicole Kidman, Ewan McGregor
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Butantã, Eldorado e circuito



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