|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Estética de videoclipe torna longa experiência exaustiva
CRÍTICO DA FOLHA
"Moulin Rouge" é o que se
pode chamar de uma experiência exaustiva.
Exaustiva pela combinação de
cores agressiva, que em certos
momentos lembra os filmes de
Terry Gilliam (tipo "Brazil, o Filme"), em que os olhos não têm
descanso -o subtítulo "Amor
em Vermelho" é o que se pode
chamar de literal, e não lhe falta
exatidão.
Exaustiva ao optar de forma radical por uma estética de videoclipe que, talvez pela primeira vez na
história, se prolonga durante duas
horas, praticamente sem parada.
Exaustiva pelo uso e abuso das
trucagens e dos movimentos da
câmera ostentatórios.
Exaustiva pelas canções, que
lembram uma interminável entrega do Oscar.
Exaustiva pela banalidade da
ficção (em resumo: aspirante a escritor apaixona-se por cortesã do
Moulin Rouge; mas esta também
é pretendida por um duque milionário e poderoso).
Seria possível relevar tudo isso
no filme de Baz Luhrmann, autor,
há alguns anos, de uma versão
rastejante de "Romeu e Julieta", se
Luhrmann se limitasse a isso.
Mas não. Ele se dedica a evocar
esse templo da sem-vergonhice
com objetivos estritamente moralizantes, a saber: demonstrar que
no fundo de cada prostituta deste
mundo existe um coração puro,
que aspira ao amor -afinal, por
vários motivos, "Moulin Rouge" é
uma variante de "A Dama das Camélias", embora se pretenda uma
reinvenção do mito de Orfeu.
Aceitemos o aspecto moralizante como parte das convenções do
nosso tempo (o cinema americano vive uma espécie de momento
neoclássico, que recupera histórias tipo "boy meets girl" e as coloca em novas roupagens).
Ainda assim, que dizer dos diálogos? Para ficar com apenas um
deles: Zidler, o responsável pela
casa noturna parisiense, repete
pelo menos umas 20 vezes que "o
show deve continuar".
Isso está longe de ser um aspecto isolado. Admite-se, num filme
musical, que a ficção se arraste
um tanto. Mas, quando lugares-comuns passam a ser repetidos a
três por dois, algo de muito errado está acontecendo.
E a questão que "Moulin Rouge" termina por colocar é: será
que está errado mesmo? Será que
Luhrmann não faz tudo isso de
caso pensado, convicto de que o
público contemporâneo só consegue ser tocado pela repetição e recusa qualquer coisa que possa ser
assimilado a uma experiência original?
A hipótese está longe de ser errática. Tanto nas músicas como
nos diálogos abundam as apropriações de imagens passadas: de
"Diamonds Are a Girl's Best
Friend" (música que Marilyn cantava em "Os Homens Preferem as
Loiras") a Madonna, aos Beatles,
a frases célebres de velhos filmes,
todos têm direito a uma aparição
como se todo o prazer que o cinema nos reserva hoje não implicasse conhecimento, mas apenas reconhecimento.
É verdade que alguns poucos
aspectos parecem tirar o filme da
modorra. Um deles é a presença
de Nicole Kidman. Infelizmente,
Kidman termina soterrada sob o
estilo pernóstico de Luhrmann.
No geral, é impossível deixar de
concluir que, se o inferno for um
filme musical interminável, é
muito difícil que este não tenha a
cara de "Moulin Rouge".
(INÁCIO ARAUJO)
Moulin Rouge - Amor em
Vermelho
Moulin Rouge
Direção: Baz Luhrmann
Produção: Austrália/EUA, 2001
Com: Nicole Kidman, Ewan McGregor
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Butantã, Eldorado e
circuito
Texto Anterior: Para atriz, filme é o melhor de que participou Próximo Texto: "A Deusa de 1967" reafirma kitsch australiano Índice
|