São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

Clara Law se deixa guiar por sucessos do estilo "road movie" e por fetichismo do mundo publicitário

"A Deusa de 1967" reafirma kitsch australiano

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Espécie de cult pré-fabricado, "A Deusa de 1967" é um desses "road movies" que preferem seguir a trilha de outros sucessos do gênero a procurar um caminho próprio.
Preocupada, antes de tudo, em conquistar a adesão do público jovem, a diretora Clara Law deixa-se guiar por essas referências até o momento em que, obrigada a dar sua contribuição pessoal, embrenha pelo perigoso terreno da simbologia.
A simpatia artificiosa e "déjà vu" das primeiras cenas é então substituída por tomadas de um progressivo mau gosto.
A deusa em questão é o Citroën DS ("Déesse", deusa em francês), um carro que é o fetiche dos colecionadores. O comprador da tal deusa de 67, no entanto, não coleciona carros, mas cobras.
Trata-se de um jovem japonês excêntrico, JM, que vai parar na Austrália depois de fechar o negócio pela internet.
Não por acaso, é um misterioso assassinato que dá início à relação de JM com a outra protagonista da história, uma cega australiana, a (verdadeira) proprietária da DS/67, impulsionando a dupla para a estrada.
As referências que norteiam o filme, "road movies" como "Coração Selvagem" e "Assassinos por Natureza", partem do mesmo mote. E a inspiração de JM é o "Samurai" de Jean-Pierre Melville, o assassino "cool" do Citroën DS, encarnado por Alain Delon.
Juntos, JM e BG adentram o território australiano (onde se radicou a diretora Law, originária de Macau e mais conhecida no Brasil por um dos episódios de "Érotique"), com a sua DS, a deusa do deserto.
Curioso, afinal, que o filme se apóie num velho binômio do fetichismo publicitário: carro moderno/mulher bonita.
"A Deusa de 1967" tem a eficiência vazia das peças publicitárias de lançamentos de carro: a falta de originalidade das idéias é compensada pelo tratamento e acabamento da imagem.
Impossível dourar essa pílula: ela já nasceu dourada (o "simulacro de cult" já vem se tornando um gênero à parte) e, além do mais, não passa de um placebo.
Tanto pior, portanto, quando a diretora encontra um fim terapêutico para a sua jornada, buscando, em flashbacks que apontam para um passado cada vez mais longínquo, aquilo que é impossível: explicar psicologicamente seus personagens.
Law procura um fundo para a carcaça de sua "Deusa". Ela elege assim a virginal BG como a verdadeira deusa da história, mas suas investidas no passado não fazem mais do que reafirmar o kitsch habitual do cinema australiano.
Melhor seria que ela se restringisse às referências e à história do Citroën DS, contada aqui em inserções informativas, ao estilo enciclopédico de Greenaway.

A Deusa de 1967
The Goddess of 1967
 
Direção: Clara Law
Produção: Austrália, 2000
Com: Rose Byrne, Rikiya Kurokawa, Nicholas Hope
Quando: a partir de hoje no Top Cine



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