São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"O ALFAIATE DO PANAMÁ"

Autor se diz desapontado com pós-Guerra Fria

John le Carré reconhece influência de Greene

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O escritor britânico John le Carré, 69, esteve pela primeira vez no Festival de Berlim em fevereiro passado, quando prestigiou a estréia mundial de "O Alfaiate de Panamá". Le Carré é produtor-executivo e co-assina o roteiro.
Com a ausência de Pierce Brosnan, foi ele quem concentrou as atenções na entrevista que sucedeu a projeção do longa. "Adorei este filme", assumiu, sem rodeios. "Por isso estou aqui."
Le Carré reconheceu não ser essa a regra para as versões de seus thrillers, destacando outra exceção positiva: ""O Espião que Saiu do Frio" (1965) era muito bom, embora fosse dialogado demais".
Trajando terno e gravata, com cabelos brancos cuidadosamente penteados, Le Carré mais parecia um diplomata deslocado do que um produtor lançando sua mais recente criação num dos três maiores festivais do mundo.
Como adaptar um romance para as telas? "A primeira coisa é jogar o livro pela janela e lembrar o que havia nele." Le Carré classificou "O Alfaiate do Panamá" como seu "primeiro romance não ideológico, da era do materialismo pós-Guerra Fria. O sarcasmo e a ironia refletem o desencantamento com o que se seguiu".
Ainda falando de política, disse estar incomodado numa época com líderes como Sharon em Israel, Putin na Rússia e Bush nos EUA. "São como apostas no conflito. Não me parece a estratégia mais adequada para nossos dias." Seu "pessimismo" estende-se até nós, "na América Latina e do Sul".
O escritor assume a dívida com Graham Greene (1904-1991) e "Nosso Homem em Havana", lembrando que já havia frisado a influência quando lançou o romance. No filme, mais que no livro, as semelhanças são evidentes -com vantagem para Greene.
Nas telas, " O Alfaiate do Panamá" é um misto entre "Nosso Homem em Havana" (1960) e "Doutor Fantástico" (1964), com alguns toques de James Bond. A presença de Pierce Brosnan como o espião Osnard, que contrata como informante um alfaiate de passado criminoso e imaginação proporcional às dívidas bancárias, força demais a enganosa aproximação com o universo inspirado em Ian Fleming. Estamos aqui no reino greeniano da farsa de espionagem -e não no de sua glamourização.



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