|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Trama derrapa na ficção
CRÍTICO DA FOLHA
Há um bom tempo não se via,
nos redutos do cinemão,
história tão promissora quanto a
de "O Alfaiate do Panamá".
Osnard (Pierce Brosnan), agente britânico caído em desgraça,
tenta convencer seus superiores
(e os americanos) da existência de
um plano de venda do canal do
Panamá a grupos que desagradariam o governo desses países. Ao
mesmo tempo, leva-os a crer na
existência de uma "oposição silenciosa" no minúsculo país, cujo
crescimento deveria ser incentivado. Seu cúmplice na empreitada é o alfaiate Harry Pendel
(Geoffrey Rush), o que não deixa
de ser inesperado (e estimulante).
O que existe de fascinante na
história é que ela tem muito pouco de real. Mas qual é a diferença
entre o real e o imaginário? De
certo modo, nenhuma: uma ficção bem articulada pode muito
bem se tornar real. Esse é o desafio de Osnard. E do filme.
O longa tem outros elementos
fascinantes, a começar pelo clima
de corrupção que reina no país
(no que é bem fiel ao que acontece
na América Latina), redobrado
pela influência dos grandes comerciantes de entorpecentes.
No mais, convém não esquecer,
o Panamá é o país de Noriega: um
presidente criado por George
Bush pai, segundo Osnard, e mais
tarde apeado do poder, sequestrado e julgado como traficante pelos próprios americanos. Ou seja,
no aspecto político, também não
deixa de ter acuidade e coragem.
Por fim, existe ali um personagem fascinante, na pessoa de Pendel: um alfaiate de passado nebuloso capaz de servir como agente
secreto, já que veste os homens
mais importantes do país.
Até aqui tudo é irretocável. E na
verdade não dava para esperar
muito menos, já que a história é
escrita por John le Carré e a direção foi confiada a John Boorman.
Os problemas, porém, logo aparecem e talvez em razão deles "O Alfaiate" termine por ser razoavelmente decepcionante.
O primeiro deles diz respeito à
própria história. Como se trata de
construir acontecimentos fictícios, Boorman parece não se decidir muito bem a quem pretende
enganar: se aos demais personagens da trama ou ao espectador.
Opta por enganar a ambos durante algum tempo, e, de certa forma,
o resultado é frustrado.
O segundo problema decorre
do primeiro: a necessidade de engodar a platéia e os personagens
leva a uma trama que transita do
complexo ao confuso.
O terceiro problema é o ex-007
Pierce Brosnan. O cargo pode ser
uma maldição para qualquer ator
que não seja Sean Connery.
A dificuldade em dissociar
Brosnan do agente secreto carismático não é pequena ao natural.
Torna-se quase insuportável
quando o filme investe justamente em nos lembrar o tempo todo
dessas características: é difícil discernir se Boorman brinca de evocar James Bond ou se pretende, ao
contrário, se servir do mito.
Na dúvida, o espectador tende
por vezes a se desinteressar do filme. Não deixa de ser um erro, já
que, apesar desses problemas, "O
Alfaiate" tem algo de fascinante.
Mas parece que essa fascinação
vem mais do que poderia ter sido
do que daquilo que realmente é.
(INÁCIO ARAUJO)
O Alfaiate do Panamá
The Taylor of Panama
Direção: John Boorman
Produção: EUA/Irlanda, 2001
Com: Pierce Brosnan, Geoffrey Rush
Quando: a partir de hoje nos cines
Jardim Sul, Unibanco Arteplex e circuito
Texto Anterior: "O Alfaiate do Panamá": John le Carré reconhece influência de Greene Próximo Texto: Carlos Heitor Cony: A sobrevivência da palavra escrita e do caráter humano Índice
|