São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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CRÍTICA

Trama derrapa na ficção

CRÍTICO DA FOLHA

Há um bom tempo não se via, nos redutos do cinemão, história tão promissora quanto a de "O Alfaiate do Panamá".
Osnard (Pierce Brosnan), agente britânico caído em desgraça, tenta convencer seus superiores (e os americanos) da existência de um plano de venda do canal do Panamá a grupos que desagradariam o governo desses países. Ao mesmo tempo, leva-os a crer na existência de uma "oposição silenciosa" no minúsculo país, cujo crescimento deveria ser incentivado. Seu cúmplice na empreitada é o alfaiate Harry Pendel (Geoffrey Rush), o que não deixa de ser inesperado (e estimulante).
O que existe de fascinante na história é que ela tem muito pouco de real. Mas qual é a diferença entre o real e o imaginário? De certo modo, nenhuma: uma ficção bem articulada pode muito bem se tornar real. Esse é o desafio de Osnard. E do filme.
O longa tem outros elementos fascinantes, a começar pelo clima de corrupção que reina no país (no que é bem fiel ao que acontece na América Latina), redobrado pela influência dos grandes comerciantes de entorpecentes.
No mais, convém não esquecer, o Panamá é o país de Noriega: um presidente criado por George Bush pai, segundo Osnard, e mais tarde apeado do poder, sequestrado e julgado como traficante pelos próprios americanos. Ou seja, no aspecto político, também não deixa de ter acuidade e coragem.
Por fim, existe ali um personagem fascinante, na pessoa de Pendel: um alfaiate de passado nebuloso capaz de servir como agente secreto, já que veste os homens mais importantes do país.
Até aqui tudo é irretocável. E na verdade não dava para esperar muito menos, já que a história é escrita por John le Carré e a direção foi confiada a John Boorman. Os problemas, porém, logo aparecem e talvez em razão deles "O Alfaiate" termine por ser razoavelmente decepcionante.
O primeiro deles diz respeito à própria história. Como se trata de construir acontecimentos fictícios, Boorman parece não se decidir muito bem a quem pretende enganar: se aos demais personagens da trama ou ao espectador. Opta por enganar a ambos durante algum tempo, e, de certa forma, o resultado é frustrado.
O segundo problema decorre do primeiro: a necessidade de engodar a platéia e os personagens leva a uma trama que transita do complexo ao confuso.
O terceiro problema é o ex-007 Pierce Brosnan. O cargo pode ser uma maldição para qualquer ator que não seja Sean Connery.
A dificuldade em dissociar Brosnan do agente secreto carismático não é pequena ao natural. Torna-se quase insuportável quando o filme investe justamente em nos lembrar o tempo todo dessas características: é difícil discernir se Boorman brinca de evocar James Bond ou se pretende, ao contrário, se servir do mito.
Na dúvida, o espectador tende por vezes a se desinteressar do filme. Não deixa de ser um erro, já que, apesar desses problemas, "O Alfaiate" tem algo de fascinante. Mas parece que essa fascinação vem mais do que poderia ter sido do que daquilo que realmente é.
(INÁCIO ARAUJO)

O Alfaiate do Panamá
The Taylor of Panama
  
Direção: John Boorman
Produção: EUA/Irlanda, 2001
Com: Pierce Brosnan, Geoffrey Rush
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul, Unibanco Arteplex e circuito



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