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1º livro é partitura cansativa
especial para a Folha
O que em "A Insustentável Leveza do Ser" é virtude, em "A
Brincadeira" -que a Companhia
das Letras também relança- é
defeito. Como em uma partitura
musical, Kundera volta aos mesmos motivos ao longo do romance, cada vez sob o ponto de vista
de um personagem. Se esse expediente proporciona leveza ao primeiro romance, no segundo, cansa. Aqui a narração se arrasta em
descrições anacrônicas, com um
certo tom de realismo-socialista,
mesmo que em primeira pessoa.
Explica-se. Terminado em 1965,
"A Brincadeira" é o romance de
estréia do escritor tcheco. Aos 36
anos, Kundera ainda aprimorava
sua técnica. Antes, havia perpetrado alguma poesia sob influência dos ideais comunistas, hoje renegada pelo autor. Ainda respirava o ar carregado centro-europeu
pré-68. "A Insustentável" foi escrita em Paris nos anos 80.
Ludvik é um jovem esquerdista
de uma pequena cidade da Morávia, uma das províncias da Tchecoslováquia. O ano é 1948, data
em que o partido comunista toma
o poder no país. Entusiasta membro da Juventude Comunista,
Ludvik namora outra militante,
Marketa. Um simples cartão-postal enviado por Ludvik a Marketa,
que estava estagiando num castelo na Boêmia, muda radicalmente
o seu promissor futuro.
Eis as palavras que constituem
"a brincadeira": "O otimismo é o
ópio do gênero humano! O espírito sadio fede a imbecilidade. Viva
Trotski!". É claro que a mensagem é interceptada pelos bons comunistas. Ludvik é julgado e expulso da faculdade e do partido. É
obrigado a alistar-se no exército.
Lá, é designado para fazer parte
do grupo que não tem o direito de
pegar em armas. São os "negros",
verdadeiros párias sociais, que
trabalham numa mina.
Temos então um comunista de
coração obrigado a viver com a
"escória" oposicionista, filhos de
ex-burgueses ou de intelectuais
decadentes. Ludvik apaixona-se
por Lucie, uma tímida interiorana
que guarda um terrível segredo.
Ludvik nunca a compreenderá e o
livro é também a história do desencontro desse casal.
E assim vai o herói, de frustração em frustração. Nem se vingar
daqueles que o arruinaram ele
consegue. É interessante perceber
que, mesmo nesse jovem Kundera, a fórmula que depois seria tão
bem-sucedida já estava esboçada.
Aqui estão os capítulos em forma
de ensaios, as longas digressões, o
erotismo seco, direto, a dualidade
amor/sexo, o olhar irônico e argutíssimo sobre o socialismo.
Em uma de suas cartas, Franz
Kafka diz que há um ponto a partir do qual não há retorno. Esse é o
que deve ser buscado. "A Brincadeira" é o ponto sem volta de outro escritor tcheco. Já é Kundera,
sim, mas um Kundera ainda eloquente e excessivo.
(ER)
Livro: A Brincadeira
Autor: Milan Kundera
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (358 págs.)
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