São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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"A SUPREMACIA BOURNE"

Diretor Paul Greengrass usa recursos como câmera na mão para dar credibilidade à continuação

Thriller recorre a clichês de documentários

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Depois de amargar fracassos retumbantes seguindo a fórmula do "franchise" cinematográfico, Hollywood constatou que, para emplacar este sistema de produção em série, não basta contar com a força de uma marca e o sucesso do primeiro filme.
É imperativo que a(s) seqüência(s) supere(m) o original, ou a receita da bilheteria fácil pode desandar. É este, claramente, o esforço de "A Supremacia Bourne", que chega aos cinemas prometendo ser a versão melhorada de "A Identidade Bourne", de Doug Liman (2002).
É preciso entender essa vontade de superação, antes de tudo, como um esforço de produção. A nova aventura de Jason Bourne (Matt Damon) é um "show off" técnico, exibindo um incrível aparato capaz de oferecer mais ação, mais frenesi, mais violência e mais suspense.
A situação limite vivida pelo personagem central -um assassino sem memória perseguido por uma organização clandestina- é intensificada até as últimas conseqüências, e uma vez que Jason Bourne e o espectador são absorvidos pela intensidade da ação, serão sugados para um universo privado de repouso.
Secundariamente, existe também o esforço da superação estética. A possibilidade de repouso é igualmente recusada ao olhar do espectador, que se confunde com a "visão" do personagem central e se submete a uma imagem instável, em movimento constante. Não por acaso, o diretor contratado para essa continuação foi Paul Greengrass, de "Domingo Sangrento" (2002). Neste filme sobre o "Bloody Sunday", um dos mais trágicos episódios da história recente irlandesa, Greengrass usou o que se estabeleceu como o clichê da estética documental (a câmera na mão frenética, "envolvida" no acontecimento) para dar credibilidade à sua reconstituição histórica. Esse mesmo aparato é usado para tornar crível a fantasiosa trajetória de Bourne.
Demonstrando competência de artesão, Greengrass se adapta perfeitamente à nova proposta. Ele explora sua técnica para dar corpo ao universo muito específico e fechado pelo qual circula Jason Bourne. Trata-se de um filme de espionagem globalizado, pós-Guerra Fria, em que a ação se desloca por várias cidades. Tudo começa na Índia, onde nosso herói, ainda atormentado por não saber sua real identidade, tenta levar uma vida normal ao lado da namorada (Franka Potente). Após um acontecimento trágico, ele parte para a ação sem medir limites para descobrir quem o persegue e porquê. Passará por Londres, Amsterdã, Nápoles e, claro, Berlim e Moscou, dois antigos centros da Guerra Fria.
A partir daí, o caminho de Bourne (ou seja, a narrativa do filme) é determinado na medida em que ele descobre fatos e precisa tomar decisões, como que movido por um "joystick" invisível.
Fisicamente não há mais "centro", as referências se dispersaram, o que se reflete no conflito interno de Jason Bourne, um sujeito errante atormentado pela falta de identidade. Conflito que dá alguma humanidade a este autêntico personagem de videogame, nesta nova fórmula aplicada ao gênero hollywoodiano dominante hoje, que é o filme de ação "inteligente".


A Supremacia Bourne
The Bourne Supremacy

   
Direção: Paul Greengrass
Produção: EUA/Alemanha, 2004
Com: Matt Damon, Franka Potente
Quando: a partir de hoje nos cines Cine Morumbi 3, Frei Caneca Unibanco Arteplex 1 e circuito



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