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NOVOS
Selecionados brasileiros contrariam intenção do curador ao privilegiar trabalhos sobre o poder
Jovens relêem política
Esqueça o ativismo dos anos 60. Obras colocam em xeque a arquitetura modernista, a representação e atos do cotidiano
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para uma Bienal que busca afastar
a política do campo da arte, os trabalhos da geração mais jovem de
artistas brasileiros selecionados para a mostra parecem contradizer a
proposta do curador, o alemão Alfons Hug, que buscou valorizar a
formalização e a apreciação estética
da obra de arte.
Thiago Bortolozzo, 28, o mais jovem dos escolhidos, apresenta um
forte viés político em sua instalação
"Vital Brasil", uma estrutura em
madeira no primeiro andar do pavilhão da Bienal, que sai do prédio e
chega ao parque Ibirapuera: "Essa
obra busca desestabilizar a arquitetura na qual ele se insere, com materiais populares, de construção
simples e realizada em esquema de
mutirão", conta.
"Quero mostrar como o trabalhador pode fazer uma intervenção no
espaço, alterando até mesmo seus
fluxos de circulação." O questionamento da arquitetura moderna é
outro elemento da obra: "Vital Brasil era um arquiteto moderno, parte
de um projeto, como o próprio prédio da Bienal, do [Oscar] Niemeyer,
que faliu", afirma.
Por temática política, entenda-se
aqui, não se fala do panfletarismo
dos anos 60, mas de uma maneira
de observação sobre as micro-estruturas do poder. É o caso, por
exemplo, de Fabiano Marques, outro dos mais jovens da seleção de 16
brasileiros na mostra temática
"Território Livre". Em sua instalação "Mar Pequeno", Marques apresenta um vídeo, no qual é o protagonista e, em alto-mar, tenta ajuntar, várias vezes seguidas, pedaços
de madeira que flutuam na água. O
ambiente reúne ainda os próprios
elementos apresentados no vídeo.
"Minha intenção é mostrar que a
arte pode contribuir para a formação de atitudes, de participação política. O procedimento de arranjo,
de "assemblage" [montagem], é básico para a aprendizagem, possível
a qualquer um, não é uma técnica",
afirma Marques.
Como comentário às suas participações na Bienal, Marques e Bortolozzo apresentam ainda uma instalação, realizada em parceria, no
Centro Cultural São Paulo, na qual
usam seis carrinhos de bate-bate.
"Nosso objetivo é pensar como a
arte está se aproximando de entretenimento e qual a diferença em ver
uma exposição de arte ou fazer um
passeio no shopping, queremos trazer essa postura diferente de olhar.
Ao mesmo tempo, é importante
criar o trabalho em conjunto, para
discutir o que é expor nessa época
de euforia com tantas exposições e
vinculá-las ao que ocorre na Bienal", diz Marques.
Uma visão crítica da sociedade
também está presente na obra da
dupla Angela Detânico, 29, e Rafael
Lain, 31, também estreantes na Bienal. Eles apresentam quatro imagens denominadas "O Mundo (Justificado, Alinhado à Esquerda, Centralizado, Alinhado à Direita)", em
que cada imagem apresenta o mapa
do mundo segundo o comando de
um processador de texto para marcar a forma de exibição na tela do
computador.
"Não é uma arte ativista, mas ela
passa pela política. Mostramos como as representações do mundo direcionam os conceitos que se criam
dele. Hoje, é da tela do computador
que muitas decisões são tomadas,
como nas Bolsas de Valores. Por isso apresentamos várias configurações possíveis que geram atitude",
afirma Detânico.
Mais literal é a proposta da carioca Rosana Palazyan, 40, conhecida
por abordar a violência em seus trabalhos. Ela expõe um realejo que,
em vez dos ditados usualmente sorteados pelos periquitos, traz mensagens coletadas com moradores
de rua do centro de São Paulo.
A política também é inerente ao trabalho do paulistano Paulo Climachauska, 42, na 26ª Bienal. Sua
obra é uma imagem do
prédio da própria Bienal,
de Oscar Niemeyer, desenhada na parede por meio
de contas de subtração. "A
idéia da subtração tem dois
comentários, um que faz
uma ironia às estratégias
construtivas da arte brasileira e outro que faz uma
crítica a essa tradição, já
que ela esteve presa a um
tempo histórico, o Brasil
dos anos 50 e 60, quando o
país tinha um projeto, o
que torna minha obra política. Além do mais, vivemos num sistema capitalista, que valoriza a soma, o
acúmulo, e eu procuro inverter esse
sistema, mostrar que ele se constrói
mesmo é pela subtração", explica
Climachauska.
No território livre da Bienal, as
obras dos brasileiros apontam que
a ação artística não está desvinculada da política.
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