São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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LITERATURA

Juan Goytisolo lança seu "As Semanas do Jardim" e discute a intolerância entre os povos no mundo de hoje

Autor defende visão da periferia ao centro

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia abaixo a continuação da entrevista com Juan Goytisolo. (JULIÁN FUKS)

 

Folha - Por que foi buscar justamente as vozes de Marrakech? Que efeito isso teve em sua literatura?
Juan Goytisolo -
Viver fora do país e fora dos centros literários é algo muito bom para um escritor. Me interessam a vida e a literatura, mas a vida literária, não. Sempre busquei situar-me na periferia, não ter qualquer poder político, ideológico ou literário. Ter a liberdade de quem está extramuros. A visão da periferia ao centro é sempre mais interessante do que a visão do centro à periferia.

Folha - Mas era um interesse em buscar origens, identificações?
Goytisolo -
Não, sou contrário às identidades. Os homens não temos raízes, e sim pés. Caminhamos. Nunca busco as minhas origens. Se buscasse, de qualquer forma, seria terrível, porque a minha família era de proprietários de escravos em Cuba. Pode-se ver que não quero qualquer relação com esses antepassados.

Folha - Como o manejo da língua é afetado pela distância?
Goytisolo -
Também é interessante ver sua língua à luz das outras. Muitas coisas que eu não entendia do castelhano pude entender a partir da língua árabe. Por exemplo, o ato de personalizar verbos intransitivos: "Amanheci cansado". É um enxerto do dialeto árabe do Magreb. O castelhano e o português são línguas latinas, sim, mas há muitos traços árabes em suas sintaxes.

Folha - O mundo está se tornando mais intolerante à diferença?
Goytisolo -
Os períodos de tolerância sempre foram, infelizmente, muito mais breves do que os de intolerância. Mas não creio que estejamos condenados a viver nesse estado. Na sociedade espanhola, por exemplo, o papel da mulher, da família, da homossexualidade mudou muito nos últimos 30 anos.

Folha - De que modo Marrakech vive essa intolerância?
Goytisolo -
Marrakech é a cidade mais tolerante de todos os países árabes. Aqui, há uma mescla de culturas, uma abundância de cidadãos estrangeiros, e as pessoas se acostumaram às diferenças. E é uma cidade que me permite viver e trabalhar ao mesmo tempo.

Folha - Como fazer para representar essa diversidade, para contribuir para que ela se preserve?
Goytisolo -
Me alarmo muito com a desaparição de tradições orais. Há um tempo, escrevi um artigo intitulado "Patrimônio Oral da Humanidade", que serviu de base para a Unesco criar o conceito. Passei a ser um dos responsáveis por preservá-lo no mundo todo. De grupos do Brasil, por exemplo, com as línguas e tradições indígenas, a idiomas que só existem no México. É uma tentativa de resgatar o possível dentro desse naufrágio da biodiversidade que temos testemunhado.


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