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LITERATURA
Juan Goytisolo lança seu "As Semanas do Jardim" e discute a intolerância entre os povos no mundo de hoje
Autor defende visão da periferia ao centro
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia abaixo a continuação da entrevista com Juan Goytisolo.
(JULIÁN FUKS)
Folha - Por que foi buscar justamente as vozes de Marrakech? Que
efeito isso teve em sua literatura?
Juan Goytisolo - Viver fora do
país e fora dos centros literários é
algo muito bom para um escritor.
Me interessam a vida e a literatura, mas a vida literária, não. Sempre busquei situar-me na periferia, não ter qualquer poder político, ideológico ou literário. Ter a liberdade de quem está extramuros. A visão da periferia ao centro
é sempre mais interessante do
que a visão do centro à periferia.
Folha - Mas era um interesse em
buscar origens, identificações?
Goytisolo - Não, sou contrário às
identidades. Os homens não temos raízes, e sim pés. Caminhamos. Nunca busco as minhas origens. Se buscasse, de qualquer
forma, seria terrível, porque a minha família era de proprietários
de escravos em Cuba. Pode-se ver
que não quero qualquer relação
com esses antepassados.
Folha - Como o manejo da língua
é afetado pela distância?
Goytisolo - Também é interessante ver sua língua à luz das outras. Muitas coisas que eu não entendia do castelhano pude entender a partir da língua árabe. Por
exemplo, o ato de personalizar
verbos intransitivos: "Amanheci
cansado". É um enxerto do dialeto árabe do Magreb. O castelhano
e o português são línguas latinas,
sim, mas há muitos traços árabes
em suas sintaxes.
Folha - O mundo está se tornando
mais intolerante à diferença?
Goytisolo - Os períodos de tolerância sempre foram, infelizmente, muito mais breves do que os de
intolerância. Mas não creio que
estejamos condenados a viver
nesse estado. Na sociedade espanhola, por exemplo, o papel da
mulher, da família, da homossexualidade mudou muito nos últimos 30 anos.
Folha - De que modo Marrakech
vive essa intolerância?
Goytisolo - Marrakech é a cidade
mais tolerante de todos os países
árabes. Aqui, há uma mescla de
culturas, uma abundância de cidadãos estrangeiros, e as pessoas
se acostumaram às diferenças. E é
uma cidade que me permite viver
e trabalhar ao mesmo tempo.
Folha - Como fazer para representar essa diversidade, para contribuir para que ela se preserve?
Goytisolo - Me alarmo muito
com a desaparição de tradições
orais. Há um tempo, escrevi um
artigo intitulado "Patrimônio
Oral da Humanidade", que serviu
de base para a Unesco criar o conceito. Passei a ser um dos responsáveis por preservá-lo no mundo
todo. De grupos do Brasil, por
exemplo, com as línguas e tradições indígenas, a idiomas que só
existem no México. É uma tentativa de resgatar o possível dentro
desse naufrágio da biodiversidade
que temos testemunhado.
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