São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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CRÍTICA
Artista aparece amarrada

da Reportagem Local

Só há a louvar o discurso verbal sinceramente desalentado de Adriana Calcanhotto -é raro um artista manifestar qualquer possibilidade de insatisfação por um trabalho que acaba de nascer.
Enquanto discursa, entretanto, Adriana não desconhece que está a morder o próprio rabo. Se o que diz demonstra que algo a acorrenta e imobiliza, nas linhas do álbum "Maritmo" ela se debate o tempo todo na impossibilidade de livrar as amarras.
Reclama que sua geração é retrô -e é mesmo, ela tem razão-, mas ela própria já há alguns discos roda em círculo num mesmo conjunto de referências -modernismo, antropofagia, concretismo, tropicália, os malditos- com que seus pais, tios, avós e bisavós revolucionaram a cultura nacional.
Tanto tempo depois, não há como não causar desânimo -para não dizer repulsa- uma canção como "Vamos Comer Caetano".
Não há ritual de devoração, como ela pretende, mas de aceitação passiva de velhos cânones. É fórmula repisada, declaração de impotência, ainda mais entre samplers confusos do autor, "concretices" -"banquete-ê-mo-nos", "vamos revelarmo-nus"- e observações constrangedoras -"nós queremos (...) o homem da Paulinha".
O que acompanha pretensas ousadias como as citadas são arranjos pop quase sempre pasteurizados (como ocorre em "Parangolé Pamplona", uma bela canção maltratada pelo tratamento dado pelo produtor Liminha), encontros estapafúrdios (na péssima "Mão e Luva", cantada com Pedro Luís e A Parede), dance music mundana com intervenção injustificável do poeta maldito Waly Salomão (em "Pista de Dança").
Enumerativas, as letras de Adriana (ouça, por exemplo, "Maritmo" e "Canção por Acaso") continuam a se dividir em (alguns) bons achados e (várias) odes banais a um mundo tristonho e entediado.
O que transparece é que Adriana é uma artista inibida, e isso é muito humano. Por isso ela se torna mais interessante quando se despe de uma postura que tende ao forçadamente "cult", ao blasé calculado.
Tal acontece na melodia inusitada -porque alegre- de "Dançando" (de Péricles Cavalcanti), na aparentemente antipática versão de "Por Isso Corro Demais" (67), de Roberto Carlos, na melancolia tocante de "Vambora".
São sinais esparsos, e mais evidente é o sinal de coragem de Adriana ao não fingir o mundo dourado das gravadoras. A guerra contra a irrelevância está na rua; Adriana Calcanhotto e a "sagrada" MPB precisam entrar em combate.
(PAS)
²
Disco: Maritmo Artista: Adriana Calcanhotto Lançamento: Sony Quanto: R$ 18, em média


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