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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO
"UM AMOR DE BORGES"
Diretor argentino de longa sobre o escritor rodará novo filme no Rio, em 2002
"Borges é como o futebol no Brasil"
DENISE MOTA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Ao tirar Jorge Luis Borges (1899-1986) do pódio de um dos escritores mais importantes do século 20
para colocá-lo na trivial condição
de homem tímido que se apaixona por uma mulher 20 anos mais
jovem, o argentino Javier Torre,
51, encontrou o céu e o inferno.
Seu filme "Um Amor de Borges", exibido a partir de hoje na
25ª Mostra, foi mal de público e de
crítica na Argentina. Mas, fora de
suas fronteiras, coletou aplausos,
como em Biarritz (França) -onde venceu como melhor filme e
ator (para Jean Pierre Noher)- e
no Brasil, onde foi considerado
-pelo júri oficial e pela crítica-
o melhor filme latino do Festival
de Gramado este ano.
O paradoxo, para o diretor, se
explica: "Borges na Argentina é
como o futebol no Brasil, sempre
polêmico. O fracasso desse longa
é um problema da Argentina também. Ela não está preparada para
um filme assim", defende-se.
"Um Amor de Borges" tem início em 1946 e trata da paixão do
escritor (interpretado por Noher), então funcionário de uma
biblioteca em Buenos Aires, pela
tradutora e locutora de rádio Estela Canto (Ines Sastre).
Ao retrato de um intelectual vacilante, sufocado pelo zelo materno e atingido por um glaucoma
crescente, Torre contrapõe a visão
da jovem libertária encarnada por
Canto, a quem Borges acabaria
por dedicar seu "O Aleph", mas
de quem se separaria -por decisão de Canto- devido à extrema
obediência do escritor à mãe e às
condutas que esta lhe impunha.
O próximo longa, Javier Torre
fará no Brasil. O tema da produção é mantido em segredo pelo cineasta, que apenas adianta ter escolhido o Rio para iniciar as filmagens do novo projeto, em
2002, após a tempestuosa temporada na terra natal.
Leia trechos da entrevista dada
pelo diretor à Folha, por telefone,
de Buenos Aires.
Folha - A imprensa argentina
avaliou duramente seu filme. A
que fatores o sr. atribui essa má recepção local?
Javier Torre - Há um sentimento
de propriedade em relação a Borges. Ele é um personagem próprio
para cada grupo na Argentina. As
pessoas de direita crêem que o escritor pertencia a seu grupo, as de
esquerda acham que Borges lhes
pertence intelectualmente, as pessoas de centro avaliam que o escritor era de centro. É um tema
que desperta todo tipo de virulência. E aqui é assim, nunca estamos
de acordo sobre as coisas. Borges
é um tema que sempre dividiu
opiniões, nunca há consenso.
Folha - O longa também não teve
público...
Torre - Sim, foi um fracasso de
público aqui. Temos um problema muito sério neste país com relação ao cinema que não está exibido e protegido pelos canais de
TV. O cinema de autor, o cinema
independente está passando por
uma situação muito difícil. Há um
problema de marketing, que está
manipulado pelos canais de televisão na Argentina.
Folha - O fato de o livro de Estela
Canto ("Borges à Contraluz", ed.
Iluminuras) ter inspirado sua produção não dificultou a aceitação do
filme na Argentina, já que ela foi
uma das paixões de Borges menos
apreciadas por amigos do escritor?
Torre - Estela Canto foi muito independente. Há visões antipáticas
em relação a ela entre certos setores na Argentina, há a idéia de que
Estela causou dano a Borges. Mas
são questões muito íntimas da vida de cada um e que acontecem
com todos nós. Borges na Argentina é como o futebol no Brasil. É
sempre algo polêmico. Ninguém
sai ileso desse tipo de assunto.
Folha - Por que o filme tem ido
bem no exterior?
Torre - O fracasso do filme em
meu país é um problema da Argentina também (risos). Na França, o filme foi melhor do que aqui.
Acredito que meu país não está
preparado para um filme assim,
muito intelectual, antipopular,
com um discurso poético muito
literário. Coisas que não funcionam muito aqui.
Folha - Houve críticas particularmente quanto à sua caracterização
de Borges, muito fragilizado, e da
mãe do escritor, extremamente dominadora...
Torre - Ela era pior ainda.
Folha - O filme é dedicado a seu
pai, Leopoldo Torre Nilsson (1924-1978) [que dirigiu "Dias de Ódio",
também com Borges como tema".
Houve um resgate de lembranças
pessoais suas?
Torre - Sim, no tratamento visual, na estética e num certo cuidado narrativo. Foi uma tomada
de posição em relação a um determinado estilo de cinema.
Folha - Em que está trabalhando
agora?
Torre - É segredo, ainda faltam
muitos detalhes, escolher locações etc. Mas vamos filmar no
Brasil, no próximo ano.
UM AMOR DE BORGES. Direção: Javier
Torre. Produção: Argentina, 2000. Com:
Jean Pierre Noher, Ines Sastre. Quando:
hoje, às 17h40, no Unibanco Arteplex;
amanhã, às 19h, no Cinemark Market
Place; dia 27, às 12h, no Cinearte (Festival
da Juventude); e dia 30, às 19h, no
Cinemark Market Place.
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