São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Querido Candidato

Maria de Lourdes de Moraes pede a Marta Suplicy uma vaga numa clínica de descanso para a irmã, Lucimeire. A pequena Isabel Oliveira, 10, "adoraria" que Marta "estivesse presente na minha competição de ginástica". Fátima Lisboa mora em Florianópolis, mas ainda assim escreve a José Serra para pedir "um carro que seja velho, com motor bom". Um ex-locutor quer ajuda para voltar a ser "um comunicador em radiodifusão AM ou FM".
 
A campanha de Serra recebe, por dia, 50 cartas escritas à mão. Marta recebe 30. São pedidos de emprego, de casa, de material de construção e até de uma simples visitinha.
 
"Sempre foi assim", diz a socióloga Maria Victória Benevides. "É natural, num país de desigualdades, em que o desconhecimento é total sobre o que significa eleger um governante. Os candidatos não são assistencialistas, mas as pessoas esperam que eles sejam." A coluna "bisbilhotou" a correspondência dos candidatos. Encontrou histórias comoventes, algumas tristes, outras cheias de graça.
 
Quando Marta Suplicy visitou o Jardim Abril, no Butantã, uma eleitora conseguiu colocar no bolso dela um bilhete com o recado: "Maria. Cartomante do Jd. Abril. Ligar".
 
Maria de Lourdes Carvalho, a cartomante, estava aflita. Queria dizer a Marta o que tinha lido nas cartas: "Não adianta: ela não vai ganhar", diz Maria. A cartomante conta que amigas que trabalham num comitê da petista já pediram a ela que jogasse as cartas várias vezes, mas o resultado é sempre o mesmo: derrota. "Minha sobrinha pede: "Ô, mulher, faz alguma coisa!" Eu digo: "Ô, mulher, não posso fazer nada". A Marta não deveria ter mexido com taxa de lixo, camelô e perueiro tudo junto, não."
 
Bilhetes desinteressados como os da cartomante são raros. Fátima Lisboa, 43, escreveu uma carta com três páginas cheias de elogios a Serra. No final, pediu um carro. "Eu tenho até vergonha", disse ela à coluna. "Mas ele ia me deixar tão feliz! Eu ia me realizar." Fátima tem tendinite e por isso foi afastada do serviço. Quer ganhar a vida vendendo roupas. Mas, para isso, "preciso de um carro", escreveu a Serra. "Velho e com o motor bom."
 
Maria Edivânia, 25, é mais modesta: pede apenas que Serra use sua "influência política" para facilitar a negociação com a faculdade de enfermagem. Ela não pôde se rematricular porque atrasou o pagamento de algumas mensalidades. "O senhor deve saber que quem não tem um sobrenome de peso não consegue nada nesta vida", diz Maria na carta. Até um ex-locutor pediu a José Serra que o indicasse para trabalhar em alguma emissora de rádio. "Este é o maior sonho que tenho", escreveu o radialista.
 
Há apelos dramáticos. Ana Paula dos Santos, 26, escreveu a Marta na semana passada dizendo que era mãe solteira de três crianças, de 7 e 5 anos e de 9 meses. A família mora numa casa de um cômodo. "O meu dia-a-dia é conviver com os ratos (...) meu maior sonho é construir uma laje para que meus filhos possam viver melhor". Ana está desempregada e conta na carta que "às vezes choro, penso em fazer besteiras". E termina colocando "meus dois sonhos em suas mãos: um emprego na cozinha de um de seus CEUs e uma casa decente". No mesmo dia, outra eleitora, Lindinalva Barros, escreveu a Marta dizendo que tinha construído uma casa e precisava de móveis. "O que a senhora me der está bom."
 
As cartas endereçadas a Serra são encaminhadas, em boa parte, à assessoria de imprensa. Cerca de 10% são levadas ao conhecimento do próprio candidato. A orientação é responder todas, explicando que muitos pedidos não podem ser atendidos porque a lei eleitoral não permite. No caso de Marta, a correspondência é distribuída entre a assessoria da campanha e o cerimonial da prefeitura. Não existe uma carta-resposta padrão, mas em alguns casos o remetente recebe até um telefonema de secretárias da prefeita.
 
Para os comitês eleitorais são encaminhadas também cartas a amigos dos candidatos, como o presidente Lula e o governador Geraldo Alckmin. Numa delas, G. G. da Silva pede ajuda à primeira-dama, Lu Alckmin. Ela diz que tem 56 anos e quatro filhas -só uma trabalha. Desempregada -"na minha idade, não consegui arrumar mais emprego"-, ela pede a Lu uma cadeira de rodas e um carrinho de hot-dog. "Mesmo usado, para nós tentarmos sobreviver."


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