São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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"É um tema que mexe comigo", diz diretora

JEAN-LUC DOUIN
DO "MONDE"

Com uma história articulada em torno da relação entre um pai e uma filha, "Questão de Imagem", da francesa Agnès Jaoui, venceu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes deste ano. Na entrevista abaixo, a cineasta fala sobre o filme, seus traumas e sua imagem.
 

Pergunta - O filme se articula em torno da relação entre pai e filha. Por que essa escolha?
Agnès Jaoui -
É um tema que mexe comigo. Há dez anos, Jean-Pierre Bacri e eu já pensávamos em tratar esse tema no teatro, falar desses pais que refazem a vida com uma mulher que tem a idade de sua filha e das dificuldades que isso pode gerar. É evidente que nossos comportamentos decorrem da maneira como "administramos" as relações em nossas famílias. Se não conseguimos dizer "não" a nosso pai, é pouco provável que consigamos dizer "não" a um chefe, a um superior ou mesmo a qualquer pessoa que represente um poder.Tudo isso passa primeiramente pelo olhar do pai. O filme fala dessa contradição e de nossa capacidade de resistência às segregações sociais.

Pergunta - No filme você interpreta uma professora de canto, mas o personagem com que você mais se identifica não seria Lolita?
Jaoui -
Confesso que sim. Assim como Lolita, eu me sentia pouco à vontade comigo mesma. Também me inspirei em minha melhor amiga, que, por temperamento, assumiu seu lado próprio. Quanto a mim, eu vivia encerrada na sedução.

Pergunta - Encerrada por quem, pelo quê?
Jaoui -
Sempre fui prisioneira dessa contradição. Fascinada pela beleza, pelo desejo de agradar, e revoltada por essa forma de escravidão, motivada por um desejo de desabrochar, de desenvolver outras qualidades em mim -tudo aquilo que vem do trabalho, do talento, do ser.

Pergunta - Por que você, como Lolita, decidiu cantar?
Jaoui -
Aos 15 anos fiz o curso Florent, depois freqüentei diversos outros cursos de arte dramática, sentindo um desejo muito grande de reconhecimento. A cada seis meses eu comparecia a um teste de elenco, e me lançavam um olhar que me fazia compreender que jamais conseguiria. Me recordo de ter voltado para casa debulhada em lágrimas, um dia, e de minha mãe me ter dito: "Mas você não é um pedaço de carne!". Aos 17 anos me matriculei num conservatório de canto, onde comecei a respirar, em sentido literal e figurado.

Pergunta - Podemos falar de terapia?
Jaoui -
O termo é um pouco forte, já que, de qualquer maneira, implica um trabalho feito com você mesmo. Depois de certo tempo, voltei a sofrer um bloqueio. Eu percebi que o problema vinha também de mim mesma e, então, comecei uma psicanálise. Mas é um lugar privilegiado, onde se aprende o rigor, se aprende a tomar seu tempo e onde ninguém dá bola para seu físico. Aprendi o que é a harmonia, o que se pode fazer de mais belo quando os seres humanos estão em grupo.

Pergunta - As pessoas comparam você a Claude Sautet. Você entende a razão disso?
Jaoui -
No início eu não entendia, a não ser pelo fato de que, como ele, eu jogo com muitos personagens e escrevo muitas cenas em cafés. Depois disso, revi "César et Rosalie" e percebi uma dimensão social que antes me passara despercebida: o personagem de Yves Montand, que não vem do mesmo meio que os outros.

Pergunta - Como gostaria de ser percebida?
Jaoui -
Digamos que, da mesma maneira que fui uma garotinha e uma adolescente que se emocionou com Anne Frank ou Jane Austen, também eu, por minha vez, gostaria de ajudar as pessoas a se sentirem menos sozinhas, menos diferentes.


Tradução de Clara Allain


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