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Kiarostami traz o gosto do Irã
O cineasta iraniano Abbas
Kiarostami, autor de "Através
das Oliveiras" e "E a Vida
Continua...", fala à Folha sobre
as filmagens de "O Gosto da
Cereja", a estréia de seu filho na
direção e censura no Irã
especial para a Folha, na Suíça
São Paulo terá a oportunidade de
ver amanhã, dentro da Mostra Internacional de Cinema, "O Gosto
da Cereja", o mais recente filme do
cineasta iraniano Abbas Kiarostami, o mesmo de "Através das Oliveiras", que recebeu o Prêmio Especial da Crítica na Mostra de 94.
Maníaco por perfeição, Kiarostami prefilmou "O Gosto da Cereja" em vídeo e, depois de ter recebido a Palma de Ouro no Festival
de Cannes, ainda trabalhou no filme, antes de considerá-lo definitivamente concluído.
Esta entrevista, concedida em
agosto, durante o Festival de Locarno, na Suíça, ajuda a conhecer
um pouco mais esse que é um dos
maiores cineastas da escola iraniana, reconhecido na Europa, e imitado dentro e fora do Irã.
Folha - Como explica o desejo de
morrer do personagem de "O Gosto da Cereja"?
Abbas Kiarostami - Ele é alguém que, confrontado com a
morte, tenta apreciar o valor da vida. Ele quer morrer, mas ao mesmo tempo quer continuar sua
existência. Essa confrontação paradoxal permite dar um sentido à
sua vida. Cada existência encontra
seu sentido na não-existência, sob
pena de não ter nenhum significado.
Folha - "O Gosto da Cereja" foi
precedido por um roteiro visual,
um guia em vídeo, no qual seu filho Bahman filma um Kiarostami
ator, que mostra a Homayoun Ershad como o papel deveria ser interpretado...
Kiarostami - Esse vídeo foi uma
nova experiência com meus atores
não-profissionais. Eu dirigia o carro e meu filho filmava, sem haver
um texto. O roteiro ia sendo construído ao correr dos diálogos, em
vez de ser escrito na minha mesa
de trabalho. O filme acabou sendo
construído dentro do carro. Toda
vez que existe um texto escrito, rígido, a tendência dos atores é de
perder a naturalidade. O uso do vídeo permitiu a criação de diálogos
mais espontâneos. No total, fizemos três vídeos antes de filmar "O
Gosto da Cereja".
Folha - O filme termina mostrando como estava sendo feito...
Kiarostami - Uso muito essa
técnica de introduzir um filme
dentro do outro, como em "Através das Oliveiras", embora não seja uma obrigação. No caso, o objetivo era mostrar uma continuidade independente do filme, que já
estava terminado.
Folha - Qual sua relação com seu
filho Bahman?
Kiarostami - Bahman trabalha
comigo desde os dez anos. Nos outros filmes, ele me ajudou bastante
nas filmagens com crianças. Acho
que chegou a hora dele começar a
aparecer. Seu primeiro filme como
diretor é com um de meus antigos
atores, Hassan Darabi, e também
tem a participação de Jafar Panahi,
meu antigo assistente.
Folha - Como está a censura no
Irã?
Kiarostami - É claro que eu não
aprovo a censura, mas ela acabou
tornando os jovens diretores ainda
mais criativos. Sobre isso gosto de
repetir o que diz um amigo arquiteto: "Os melhores projetos são
feitos para os terrenos mais difíceis
para construir".
Pessoalmente, não tive grandes
problemas com a censura e meus
filmes nunca foram cortados de
maneira grosseira. Hoje, se eu tivesse de trabalhar totalmente sem
censura, acho que teria dificuldades...
Folha - O sr. pretende fazer um
filme no exterior, como já manifestou interesse?
Kiarostami - Há algum tempo,
pensei em fazer um filme fora do
Irã, mas refleti bastante e, como
estou trabalhando no meu país em
melhores condições que antes, vou
continuar lá mesmo, pois o Irã é
muito importante nas minhas
criações. De qualquer forma, meus
filmes podem ser vistos em todo o
mundo.
Folha - Sua última visita à Mostra
de São Paulo motivou impressões
sobre as crianças de rua, publicadas no jornal francês "Le Monde".
O sr. disse que tinha vontade de
fazer um filme em São Paulo. Deixou de lado esse projeto?
Kiarostami - É verdade que tive
vontade de fazer um filme com
aquelas crianças, e que, dadas as
diferenças, não poderei fazer no
Irã.
Folha - Não existe só a censura
iraniana, há a censura econômica
americana. Quando os americanos
poderão ver "Através das Oliveiras" no cinema?
Kiarostami - Acho uma pena
não ter sido possível distribuir esse
filme nos EUA, embora tenha sido
comprado. Fiquei muito feliz
quando a Miramax comprou meus
filmes e pensei que, finalmente, todos os filmes iranianos acabariam
sendo mostrados nos EUA. Depois, soube que compraram tudo,
mas não definiram quando e como
serão mostrados.
Com isso, aprendi que, para que
um filme seja exibido, é melhor
que ele seja comprado por um pequeno distribuidor. Senão, os filmes podem ser comprados apenas
como investimento.
Folha - Como explica o sucesso
de "O Gosto da Cereja" em Cannes?
Kiarostami - É o exemplo do sucesso do cinema feito de maneira
autônoma. Fiquei satisfeito com a
Palma de Ouro, não só por ter recebido o prêmio, mas pelo tipo de
filme que ela premiou. E foi totalmente sincera minha surpresa.
Nunca tinha imaginado que um
júri de Cannes, onde se prefere assinalar o que ocorre no cinema comercial, daria importância a esse
tipo de filme. O prêmio fez com
que muitos expectadores, mais interessados pelo cinema de Hollywood, tenham se interessado em
conhecer esse tipo de cinema. Foi
uma espécie de reconciliação entre
o cinema comercial e o cinema de
autor. É o tipo de coisa que nos encoraja a continuar fazendo esse tipo de cinema, constantemente
preterido em relação ao cinema
americano.
(RUI MARTINS)
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