São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2000

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"A HISTÓRIA DE ADELE H."
Truffaut nos lembra de que amava as mulheres

DA REDAÇÃO

A confusão entre clássico e acadêmico, a que os filmes de época são tão vulneráveis, abateu-se a seu tempo sobre "A História de Adele H", que François Truffaut filmou em 1975 a partir dos diários de Adele (1830-1915), filha do escritor Victor Hugo.
Digamos para simplificar que acadêmico é o filme em que o diretor chama a época representada de vossa senhoria; clássico é quando a chama de você. Truffaut está entre os que a chamam de você: o tempo representado é um quadro, não um signo, a época define um modo de ser, mas não acrescenta valor à produção.
Nesse sentido, "Adele H" é um filme em que se sobressai a arte do "fade out" -essa figura que consiste no escurecimento do quadro ao final de certas cenas. O acadêmico valoriza o escurecimento, enfatizando os cenários e figurinos. Aqui, quando o plano é geral, normalmente o escurecimento é rápido, não dá tempo ao espectador de perceber "a época". Quando, ao contrário, o plano está fechado nos atores -ocupado com seus pensamentos ou sentimentos-, é quase sempre lento.
Dito isso, "Adele H" trabalha duas linhas perceptíveis de imediato. Uma diz respeito à mulher obcecada por Pinson, tenente britânico. Por ele, Adele (Isabelle Adjani) atravessa o Atlântico para chegar a Halifax (hoje Canadá), em 1861. Pinson, bonitão, mulherengo, jogador, lhe havia prometido casamento. Não quer mais nada com ela. Adele não se dá por vencida e persegue-o implacavelmente. Por vezes, lembra essas anti-heroínas que, em vez de seduzir o amante, o aterrorizam.
A segunda linha, menos interessante, é a do amor romântico, visto aqui como patologia. Adele leva-o às últimas consequências.
Existe ainda uma interessante discussão sobre verdade narrativa e verdade da narrativa (embora desenvolvida com êxito apenas em certos momentos, como na cena do hipnotizador).
Truffaut agita por fim a questão feminista. É o aspecto menos sincero do filme. Embora Adele reivindique para si o papel de mulher livre, capaz de mover mundos e fundos por seu amor, a simpatia do realizador por essa atitude parece mais de ocasião do que outra coisa. O tipo de atitude de Truffaut em relação à mulher é mais o de "O Homem Que Amava as Mulheres", título que diz bem de suas convicções. No fundo, Adele Hugo é Truffaut. O Truffaut que, por amor a Catherine Deneuve, acabou internado em uma clínica de saúde. O feminismo tem pouco a ver com isso. (IA)


A História de Adele H
L'Histoire de Adèle H    Direção: François Truffaut Produção: França, 1975 Com: Isabelle Adjani e Bruce Robinson Quando: a partir de hoje no Top Cine




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