São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

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Música - crítica/rap

Mzuri Sana faz CD de hip hop citando livro de Machado de Assis

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Do título do álbum ao discurso, "Ópera Oblíqua" pretende remeter a Machado de Assis. Em princípio, provoca até calafrio a idéia de uma banda pop que busca, como "conceito" para unir um álbum, algo ou alguém da alta cultura. Mas o Mzuri Sana consegue se sair bem na empreitada.
Talvez porque, em vez de tentar esquadrinhar o escritor e sua obra, utiliza apenas uma fala de um personagem de "Dom Casmurro" para dar vazão a um rap contemporâneo.
Mzuri Sana é um trio paulistano formado pelos MCs Parteum e Secreto e pelo DJ Suissac. "Ópera Oblíqua" é o segundo CD -o primeiro, "Bairros Cidades Estrelas Constelações", é de 2003.
Logo na introdução, o Mzuri Sana avisa: "Segundo a tradição machadiana, "tudo cabe na mesma ópera'". Parteum explica a associação: "Essa é a gênese do hip hop, que sempre pegou fragmentos de outros gêneros musicais. As referências eram as mais diversas, como poetas urbanos. O hip hop usa outros espaços que em teoria não são dele".
E por que Machado como ponto de partida?
"Porque todo MC deve ter esse poder de síntese e de fazer com que o público queira ouvi-lo novamente", diz. "Muito do que passamos tinha a ver com um dos capítulos de "Dom Casmurro" ("Aceito a teoria'). O Bentinho quer descobrir o mundo. A mãe o priva de algumas coisas e o prepara para o clero. Todo o tempo percebemos que outras pessoas tentam tomar decisões por nós."
O Mzuri Sana faz parte de uma geração de artistas que fazem do rap não um veículo unicamente de protesto e autocentrado, mas algo receptivo e aberto também a amenidades.
"Só fazemos o que é natural para o hip hop, que é inovar e se reinventar. Mas o que fazemos agora só é possível pelo trabalho das pessoas que chegaram antes. Thaíde, Rappin" Hood, Racionais", lembra Parteum, que é co-autor da trilha de "Antônia" (filme e seriado), com Beto Villares. Além disso, ele produziu algumas faixas do álbum de MV Bill e prepara disco para o coletivo Ambulante.
"Hoje faço a pré-produção do disco no meu computador. O processo está bem mais fácil do que para o pessoal anterior." "Ópera Oblíqua", o disco, não tem uma faixa que seja hit -todas têm o mesmo corpo e complementam-se. É variado (tem algo de pós-rock, free jazz, de dub...) e cheio de referências (vai de "Guerra nas Estrelas" a, até, Augusto de Campos).
"Definição", por exemplo, ganha clima orgânico com Iggor Cavalera em bateria acústica; em "Farpas Pregos Nuvens Orações", o tom grave do vocal faz um divertido contraponto à batida que flui preguiçosa (no bom sentido).
Em "Escuta Essa!", o Mzuri Sana cita o "rap de raiz", mas frisa que faz rap contemporâneo. Boa.


ÓPERA OBLÍQUA    
Artista: Mzuri Sana
Lançamento: Trama
Quanto: R$ 25, em média


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