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Música - crítica/rap
Mzuri Sana faz CD de hip hop citando livro de Machado de Assis
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Do título do álbum ao
discurso, "Ópera Oblíqua" pretende remeter
a Machado de Assis. Em princípio, provoca até calafrio a idéia
de uma banda pop que busca,
como "conceito" para unir um
álbum, algo ou alguém da alta
cultura. Mas o Mzuri Sana consegue se sair bem na empreitada.
Talvez porque, em vez de
tentar esquadrinhar o escritor
e sua obra, utiliza apenas uma
fala de um personagem de
"Dom Casmurro" para dar vazão a um rap contemporâneo.
Mzuri Sana é um trio paulistano formado pelos MCs Parteum e Secreto e pelo DJ Suissac. "Ópera Oblíqua" é o segundo CD -o primeiro, "Bairros
Cidades Estrelas Constelações", é de 2003.
Logo na introdução, o Mzuri
Sana avisa: "Segundo a tradição
machadiana, "tudo cabe na
mesma ópera'". Parteum explica a associação:
"Essa é a gênese do hip hop,
que sempre pegou fragmentos
de outros gêneros musicais. As
referências eram as mais diversas, como poetas urbanos. O
hip hop usa outros espaços que
em teoria não são dele".
E por que Machado como
ponto de partida?
"Porque todo MC deve ter esse poder de síntese e de fazer
com que o público queira ouvi-lo novamente", diz. "Muito do
que passamos tinha a ver com
um dos capítulos de "Dom Casmurro" ("Aceito a teoria'). O
Bentinho quer descobrir o
mundo. A mãe o priva de algumas coisas e o prepara para o
clero. Todo o tempo percebemos que outras pessoas tentam
tomar decisões por nós."
O Mzuri Sana faz parte de
uma geração de artistas que fazem do rap não um veículo unicamente de protesto e autocentrado, mas algo receptivo e
aberto também a amenidades.
"Só fazemos o que é natural
para o hip hop, que é inovar e se
reinventar. Mas o que fazemos
agora só é possível pelo trabalho das pessoas que chegaram
antes. Thaíde, Rappin" Hood,
Racionais", lembra Parteum,
que é co-autor da trilha de "Antônia" (filme e seriado), com
Beto Villares. Além disso, ele
produziu algumas faixas do álbum de MV Bill e prepara disco
para o coletivo Ambulante.
"Hoje faço a pré-produção do
disco no meu computador. O
processo está bem mais fácil do
que para o pessoal anterior."
"Ópera Oblíqua", o disco, não
tem uma faixa que seja hit -todas têm o mesmo corpo e complementam-se. É variado (tem
algo de pós-rock, free jazz, de
dub...) e cheio de referências
(vai de "Guerra nas Estrelas" a,
até, Augusto de Campos).
"Definição", por exemplo, ganha clima orgânico com Iggor
Cavalera em bateria acústica;
em "Farpas Pregos Nuvens
Orações", o tom grave do vocal
faz um divertido contraponto à
batida que flui preguiçosa (no
bom sentido).
Em "Escuta Essa!", o Mzuri
Sana cita o "rap de raiz", mas
frisa que faz rap contemporâneo. Boa.
ÓPERA OBLÍQUA
Artista: Mzuri Sana
Lançamento: Trama
Quanto: R$ 25, em média
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