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"CRÔNICA DO AMOR LOUCO"
Obra de Ferreri retorna clássica
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Em cópia nova, quase duas décadas depois de sua estréia, "Crônica do Amor Louco" emerge como clássico inconteste.
Em 82, a narrativa do milanês
Marco Ferreri (1928-1997) era um
tanto ofuscada pela fascinação
provocada pela atriz Ornella Muti, no auge da beleza, ou pelo escândalo das cenas em que ela se
autoflagela com um enorme alfinete de segurança.
Hoje, com os nervos da platéia
anestesiados pela banalização da
violência, os atos da prostituta
Cass contra si mesma já não impressionam tanto.
Também amainou a febre Charles Bukowski (1920-1994), o escritor marginal que é fundamento e
condutor do filme. Ele é retratado
no personagem Charles Serking
(Ben Gazzara, preciso), poeta e
bêbado em período integral, figura central do livro "Ereções, Ejaculações, Exibições e Contos Gerais da Loucura Ordinária" (72).
Distante desses focos de escândalo, "Crônica" se revela a condensação madura de um estilo cinematográfico, obra de equilíbrio
matemático em que todo diálogo
é precioso, nenhuma sequência é
supérflua e da qual se desprende,
finalmente, e com volatilidade
certeira, a poesia de Bukowski em
embriagada veneração pagã pela
essência feminina.
Essa essência é destilada, nas
histórias do filme/livro, pelos
mais variados temperamentos de
mulheres, como uma coleção de
espécimes raros, revoando em
torno do prazer sexual à maneira
de insetos em volta da lâmpada,
elemento substituído aqui pelo
dedicado e sempre aceso Serking/Bukowski.
Num crescendo, esse mendigo
afetivo e "Don Juan passivo" é
amparado e sugado pelas "abelhas rainhas" (animal que, aliás,
deu título em 63 a um filme do diretor). As fêmeas zumbem e zanzam pela América outsider dos
anos 70, pela babilônica Los Angeles ("Lost Angels", como quer o
escritor).
O cortejo é inaugurado pelo emblema da fatal lolita norte-americana, a "pretty baby" de 13 anos.
Seguem-se a valquíria corpulenta,
reconfortante misto de dona-de-casa, mãe e prostituta (Judith
Drake); a ninfomaníaca devoradora, chave de cadeia (a felliniana
Susan Tyrrell); a esposa policial,
cobradora do dízimo sexual (Tanya Lopert); a prostituta que é toda
pureza decaída, graça rebaixada
ao estatuto da carne ("la Muti" em
trajes de chinesinha); e, por fim, a
verdadeira virgem, oferecendo ao
suicida a sua fonte de vida.
"Crônica" é o ápice da carreira
do diretor iconoclasta que um dia
ousou colocar o general Custer na
pele de Marcello Mastroianni
("Touchez Pas à la Femme Blanche", 74), autor de mais de 30 títulos entre os anos 60 e 90, vários
notáveis e nenhum desprezível.
Após essa bela homenagem aos
EUA dos destituídos, fracos e perdedores, a carreira do cineasta rumaria ao ocaso.
Em boa hora, a distribuidora
brasileira Pandora anuncia a
compra de outro título de Marco
Ferreri em cópia nova, o escatológico "A Comilança" (73). O filme
entra em cartaz no decorrer de
2000.
Avaliação:
Filme: Crônica do Amor Louco (Storie di
Ordinaria Follia)
Diretor: Marco Ferreri
Produção: Itália, 1982
Com: Ben Gazzara, Ornella Muti
Quando: estréia amanhã no cine Vitrine
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