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"MORTE EM VENEZA"
Dois seres, dois corpos e seus sonhos
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Os filmes de Luchino Visconti
normalmente parecem orientados pela cenografia e, sobretudo,
por seus objetos decorativos. Por
mais grave que seja o problema
tratado (digamos, a ascensão do
nazismo em "Os Deuses Malditos"), fica a impressão de que a
posição das almofadas da sala são
mais importantes para Visconti.
Como a ópera é uma influência
importante em sua obra, a música
é o segundo elemento-chave, embora quase sempre apareça submetido à cenografia (mesmo em
"Senso" isso acontece). Desde aí,
podemos ver "Morte em Veneza"
como um filme que se desvia desse padrão, pois a música será o
centro da ação, já por conta de seu
protagonista, um músico.
Na história, o velho maestro Archenbach (Dirk Bogarde) chega a
um hotel luxuoso de Veneza.
Tem-se a impressão de que o
mundo lhe é indiferente. Mesmo
a música dá a impressão de ser
mais uma lembrança, um reflexo
do passado, do que algo que diz
respeito a sua existência presente.
Ou seja, o maestro parece um
morto-vivo, pelo menos até ser
tocado pela beleza do adolescente
Tadzio (Bjorn Andressen). Beleza
perturbadora, já que Tadzio é, na
aparência, um andrógino, não
conseguimos vê-lo nem como homem nem como mulher.
E a visão apaixonante de Tadzio
como que tira o velho Archenbach do túmulo. Provisoriamente, é certo. Mas o que é a vida senão adiamento da morte e desejo
de permanecer entre os vivos?
Desde que Archenbach vê Tadzio, a música toma conta do filme.
Ela dita o ritmo e a respiração das
imagens. Ela parece orientar os
movimentos de "zum" que parecem aspirar o espaço em busca do
adolescente. Raras vezes uma
música "colou" de modo tão radical à imagem quanto a música de
Mahler a esse filme.
Ou talvez seja melhor dizer que,
nesse caso, a música é que comanda a imagem, os movimentos da
câmera e dos personagens, os gestos de sua vida e de sua morte.
Com frequência, os filmes trazem uma ou duas sequências em
que isso acontece. "O Homem
que Sabia Demais", de Hitchcock,
por exemplo, parece existir em
função da cena do concerto no Albert Hall. Já em "Morte em Veneza", a música ponteia o filme inteiro, como que orientando o último suspiro desejante do maestro.
Ao mesmo tempo a idéia obsessiva da morte -tão presente
quanto a do desejo- indica tudo
o que aproxima e separa irremediavelmente dois seres, dois corpos e seus sonhos.
Nisso "Morte em Veneza" é um
filme magnífico: na arte de sugerir
a união entre coisas não passíveis
de unificação -juventude e velhice, desejo do sujeito e desejo do
outro, vida e morte. Mas, como
este também é um filme de olhares, Visconti explora até o osso essa propriedade do olhar (que
também é do cinema), de num
mesmo segundo dizer e desdizer,
negar e afirmar -isso que, em
uma palavra, também se pode
chamar de mistério.
Avaliação:
Filme: Morte em Veneza (Morte a
Venezia)
Diretor: Luchino Visconti
Produção: Itália, 1971
Com: Dirk Bogarde e Silvana Mangano
Quando: estréia amanhã no Cinesesc
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