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ANÁLISE
"A Diarista" aborda boa idéia sem chegar lá
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em tempos de crise financeira, à espera de mudanças que
viabilizem a retomada de uma TV
de qualidade, as emissoras oferecem um final de ano com vários
testes, estréias e especiais.
"A Diarista" é um desses balões
de ensaio. O programa, sobre as
desventuras de Marinete (Cláudia
Rodrigues), uma empregada doméstica histérica, originalmente
pensado para quadro semanal do
"Fantástico", foi ao ar no último
domingo, no formato inusual de
30 minutos, às onze da noite.
Com roteiro de Glória Perez e
direção de José Alvarenga Jr. ("Os
Normais"), "A Diarista" lida com
uma das principais instituições
brasileiras. De sua posição subalterna na pirâmide social, a doméstica compartilha a intimidade
dos patrões. Seu olhar penetra os
meandros das relações privadas.
Marinete encarna um tipo
avançado de empregada: aquela
que não dorme no trabalho. Em
busca de alguma autonomia, ela
combina o serviço de faxina com
o de sacoleira. E circula adoidada.
O ponto de vista de Marinete
poderia ser hilário, ou crítico. Mas
"A Diarista" não chega lá. O tom,
de um realismo cru, de figurino e
cenário, segura os raros vôos do
roteiro e direção. A interpretação
carregada da atriz não colabora.
Falta a Marinete um pouco da ironia de Darlene, a manicure de
meias listradas, que sonha com a
celebridade na novela das oito.
Presa do humor convencional do
"Zorra Total", Cláudia Rodrigues
vomita seus vários monólogos
com tanta intensidade que às vezes é difícil entender o texto.
A intervenção indiscreta de Marinete é tanto capaz de causar separações quanto de estimular romances. Tarimbada, vítima do
mau humor de patrões frustrados, ou da generosidade de patroas traídas, não se abala. Mantém a defesa de seus interesses.
No Brasil, empregadas domésticas mantêm suas próprias empregadas. A instituição do serviço
doméstico está no cerne do equilíbrio social. Sem ela, o país corre o
risco de vir abaixo. Sem empregadas, muitas mulheres não poderiam trabalhar fora; muitos homens não segurariam a infra-estrutura básica. O tema é tão estratégico que permanece tabu no
universo da ficção nacional. A
idéia pode render, se encontrar o
formato e o tom adequados.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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