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"O PODER VAI DANÇAR"
Tim Robbins levanta a bandeira da arte engajada
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
A pós satirizar a nova direita americana em "Bob Roberts" e realizar um libelo contra a
pena de morte ("Os Últimos Passos de um Homem"), Tim Robbins levanta a bandeira da arte engajada, voltando-se a um período
crucial da história de seu país.
Em "O Poder Vai Dançar", ele
tenta redefinir quais eram as forças progressistas e reacionárias da
América dos anos 30, partindo da
polêmica gerada pelo WPA
(Work Progress Administration),
programa federal de teatro criado
pelo governo Roosevelt, durante a
Grande Depressão, para dar trabalho a artistas desempregados.
Orson Welles, beneficiário do
WPA, costumava dizer que esse
foi o único momento em que os
EUA tiveram "algo parecido com
um teatro nacional". Mas o flagrante esquerdismo dos mentores do projeto, como expõe Robbins, foi um espinho na garganta
dos manda-chuvas da América.
Uma campanha da imprensa,
capitaneada por W.R. "Cidadão
Kane" Hearst (John Carpenter),
contra os "vermelhos" do WPA,
gerou um comitê de investigação
do tipo que viria a se consagrar
nos anos 50 da era macarthista.
Robbins aborda o processo, mantendo o foco na história da montagem do musical esquerdista
brechtiano "Cradle Will Rock",
escrito por Marc Blitzstein (Hank
Azaria) e dirigido por Welles (Angus MacFayen).
Mas, como o filme, a exemplo
da peça, pretende ver na prostituição uma norma da sociedade capitalista, Robbins não hesita em
abrir o leque. Sua ambição é compor um painel histórico, um mural, como o que Diego Rivera (Rubén Blades), o comunista pintor
mexicano marido de Frida Kahlo
(Corina Ayala), fez sob encomenda para o milionário Nelson Rockefeller (John Cusack).
Robbins quer falar de prostituição, tanto política quanto artística, mas prefere isentar os artistas,
celebrando a resistência de Rivera
e de Welles, e acusar magnatas como Rockefeller, Hearst e Gray
Mathers. O que lhe dá esse direito
não é o fato de os primeiros terem
sido fiéis aos seus ideais nem o de
os segundos terem apoiado a ascensão fascista na Europa.
Ao se deter na "prostituição" da
América do pré-guerra, Robbins
revela muito sobre a América do
pós-guerra, dos anos 50 de "caça
às bruxas", e, já que defende uma
arte atuante que não se dissocie da
realidade, alfineta a América de
Bush, reino das grandes corporações. Mas o cineasta não faz mais
do que requentar a velha tradição
do esquerdismo brechtiano.
Típica de Brecht é essa oposição
entre o "baile de máscaras" da elite e o "teatro do povo", épico em
que a verdadeira revolução é legada à platéia, entre a impostura de
personagens de "grandes capitalistas" e a dignidade dos homens
comuns. Estes são os "heróis surrados" do filme: os personagens
de John Turturro, um ator italiano pobretão e brigado com a família fascista, e Emily Watson,
uma maltrapilha aspirante a atriz.
Mas a verdadeira dialética do
longa expressa-se nas personagens de Susan Sarandon, uma ex-amante judia de Mussolini, encarregada de corromper os magnatas
americanos, Vanessa Redgrave,
uma condessa que colabora na
peça que satiriza seu marido Mathers, e Bill Murray, um ventríloquo anticomunista que descobre
que seu boneco é um "vermelho".
O Poder Vai Dançar
Cradle Will Rock
Direção: Tim Robbins
Produção: EUA, 1999
Com: Joan Cusack, John Cusack, Bill
Murray, Emily Watson, John Turturro,
John Carpenter
Quando: a partir de hoje no Belas Artes
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