São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2002

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"O PODER VAI DANÇAR"

Tim Robbins levanta a bandeira da arte engajada

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

A pós satirizar a nova direita americana em "Bob Roberts" e realizar um libelo contra a pena de morte ("Os Últimos Passos de um Homem"), Tim Robbins levanta a bandeira da arte engajada, voltando-se a um período crucial da história de seu país.
Em "O Poder Vai Dançar", ele tenta redefinir quais eram as forças progressistas e reacionárias da América dos anos 30, partindo da polêmica gerada pelo WPA (Work Progress Administration), programa federal de teatro criado pelo governo Roosevelt, durante a Grande Depressão, para dar trabalho a artistas desempregados.
Orson Welles, beneficiário do WPA, costumava dizer que esse foi o único momento em que os EUA tiveram "algo parecido com um teatro nacional". Mas o flagrante esquerdismo dos mentores do projeto, como expõe Robbins, foi um espinho na garganta dos manda-chuvas da América.
Uma campanha da imprensa, capitaneada por W.R. "Cidadão Kane" Hearst (John Carpenter), contra os "vermelhos" do WPA, gerou um comitê de investigação do tipo que viria a se consagrar nos anos 50 da era macarthista. Robbins aborda o processo, mantendo o foco na história da montagem do musical esquerdista brechtiano "Cradle Will Rock", escrito por Marc Blitzstein (Hank Azaria) e dirigido por Welles (Angus MacFayen).
Mas, como o filme, a exemplo da peça, pretende ver na prostituição uma norma da sociedade capitalista, Robbins não hesita em abrir o leque. Sua ambição é compor um painel histórico, um mural, como o que Diego Rivera (Rubén Blades), o comunista pintor mexicano marido de Frida Kahlo (Corina Ayala), fez sob encomenda para o milionário Nelson Rockefeller (John Cusack).
Robbins quer falar de prostituição, tanto política quanto artística, mas prefere isentar os artistas, celebrando a resistência de Rivera e de Welles, e acusar magnatas como Rockefeller, Hearst e Gray Mathers. O que lhe dá esse direito não é o fato de os primeiros terem sido fiéis aos seus ideais nem o de os segundos terem apoiado a ascensão fascista na Europa.
Ao se deter na "prostituição" da América do pré-guerra, Robbins revela muito sobre a América do pós-guerra, dos anos 50 de "caça às bruxas", e, já que defende uma arte atuante que não se dissocie da realidade, alfineta a América de Bush, reino das grandes corporações. Mas o cineasta não faz mais do que requentar a velha tradição do esquerdismo brechtiano.
Típica de Brecht é essa oposição entre o "baile de máscaras" da elite e o "teatro do povo", épico em que a verdadeira revolução é legada à platéia, entre a impostura de personagens de "grandes capitalistas" e a dignidade dos homens comuns. Estes são os "heróis surrados" do filme: os personagens de John Turturro, um ator italiano pobretão e brigado com a família fascista, e Emily Watson, uma maltrapilha aspirante a atriz.
Mas a verdadeira dialética do longa expressa-se nas personagens de Susan Sarandon, uma ex-amante judia de Mussolini, encarregada de corromper os magnatas americanos, Vanessa Redgrave, uma condessa que colabora na peça que satiriza seu marido Mathers, e Bill Murray, um ventríloquo anticomunista que descobre que seu boneco é um "vermelho".



O Poder Vai Dançar
Cradle Will Rock
   
Direção: Tim Robbins
Produção: EUA, 1999
Com: Joan Cusack, John Cusack, Bill Murray, Emily Watson, John Turturro, John Carpenter
Quando: a partir de hoje no Belas Artes




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