São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIAS

"O GOSTO DOS OUTROS"

Em seu filme de estréia na direção, francesa também atua e divide roteiro com protagonista

Agnès Jaoui faz desafio à idiossincrasia

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o inferno nem sempre são os outros, certamente o gosto dos outros pode assumir um peso infernal nos confrontos sociais. É isso que nos diz "O Gosto dos Outros", primeiro filme da francesa Agnès Jaoui, 37.
Foi um pouco por uma questão de gosto que a francesa Jaoui se lançou à direção de filmes, depois de participar como atriz em uma dezena deles.
"Eu atuava, gostava, mas ficava pensando que faria as coisas de outro modo", diz Jaoui à Folha, em passagem pelo Brasil para divulgar o filme, que chega hoje a salas do Rio e de São Paulo.
Ela reitera, porém, que a idéia de dirigir veio mais ou menos naturalmente depois que ela começou a escrever para teatro e, posteriormente, para cinema.
"Comecei a escrever porque eu tinha coisas a dizer e também porque não encontrava trabalho suficiente como atriz. Foi por vontade, mas muito por necessidade. Pouco a pouco, comecei a pensar em dirigir."
Em todos os roteiros e textos teatrais que escreveu, Jaoui teve a companhia do também ator Jean-Pierre Bacri. Antes de chegar ao argumento de "O Gosto dos Outros", a dupla tentara sair do universo das relações humanas que dominava seus escritos para construir uma trama policial.
"Depois de dois ou três meses, não conseguíamos escrever nada que não fosse clichê", lembra Jaoui. "Então decidimos parar e recomeçar a partir daquilo a que estávamos habituados." Revirada a idéia original, ficaram alguns personagens, como o do próprio Bacri -o empresário Castella.
O cerne da trama são as discussões sobre tolerância. A questão se irradia para as relações pessoais dos outros personagens, todos ligados de algum modo a Castella -um sujeito "pouco refinado", apesar do dinheiro.
Num esforço por "melhorar", Castella tenta aprender inglês e, mesmo sem aceitar de bom grado a língua de Shakespeare, se encanta com a professora -uma atriz de teatro que usa as aulas para complementar o soldo.
Obcecado por atrair sua atenção, tenta de todo modo entrar para seu círculo -atores, produtores, artistas plásticos-, mas seu jeito simplório não ajuda.
"Preconceitos estão em todo lugar. Talvez cada um de nós tenha a impressão de não os ter. Mas, mesmo nos meios mais cultos, artísticos, supostamente abertos, temos preconceitos enormes", diz a diretora. "No confronto com o outro, sempre temos medos e certezas antes de começar um diálogo. Ainda que não seja consciente, eu olho como você se veste. Ninguém está livre disso."
Jaoui conta que teve medo do acúmulo de funções no filme -além de escrever e dirigir, ela vive a garçonete Manie, amiga de Clara, e, depois, namorada do guarda-costas de Castella.
Relaxou quando percebeu que "sabia o que queria dizer, afinal" e que atuar era um prazer, comparado à tensão da estréia atrás das câmeras.
Medos à parte, parece que Jaoui conseguiu o impossível: tocar o gosto de todos. O filme acumulou nomeações e prêmios, entre os quais quatro César -maior prêmio do cinema francês- e a indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em 2001. "Acho que se sentir desprezado ou ignorado é uma experiência comum a todo mundo", tenta explicar Jaoui.


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