São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2002

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ERIKA PALOMINO

Casa de criadores põe novos nomes na roda

A 11ª edição da Casa de Criadores aconteceu em São Paulo durante esta semana em São Paulo, mostrando a coleção de 13 estilistas na mostra principal e seis marcas no projeto LAB, de cunho mais experimental. Houve mais acertos, em relação à sua última versão. Para começar, a volta a um galpão, tipo de espaço que consegue preservar e garantir mais as características de seus estilistas.
Sem tentar ser uma miniSão Paulo Fashion Week, assumindo vocação underground, o evento dá lugar para que o público entenda -ou perdoe- qualquer eventual pecadilho de seus jovens participantes. Foi o que aconteceu desta vez, e isso não eximiu o evento de consagrar os talentos de Lorenzo Merlino, Giselle Nasser, Eduardo Inagaki, Karlla Girotto e Maria x Madalena.
Levantaram a poeira e deram a volta por cima Marcelo Quadros e Jeziel Moraes, enquanto Jotta Sybalena (muito melhor agora, mais suave, menos agressivo, com ótima camisaria e com a incrível bota de fivelas), A Mulher do Padre (menos streetwear, mais construída) e Jum Nakao apresentaram nítido crescimento em relação a seus momentos anteriores -como também Simone Nunes, participante do LAB, que agradou com minicoleção clochard, e a V-Rom, que mostra visível esforço de organização e produção, resultado de recente reestruturação interna.
O evento foi marcado também pelo envolvimento com a novela global "Desejos de Mulher", na mais integrada ação de moda e TV já vista até aqui. No domingo, a Rede Globo fez junto com o evento a festa de lançamento da novela, levando à primeira fila boa parte de seu elenco e colocando na passarela atrizes como Mel Lisboa (que faz uma modelo na nova novela), Cris Couto e Silvia Pfeiffer.
Antes de os desfiles começarem, um longo clipping antecipava trechos do projeto (que estrearia no dia seguinte), e por um momento dava até para esquecer por que mesmo estávamos todos ali. Era o dia do projeto LAB, dedicado aos estilistas (super)iniciantes, mas boa parte da mídia ali presente estava mais interessada mesmo na movimentação em torno de Glória Pires e Regina Duarte. Sem problema, o casamento foi bom para os dois lados. Tanto a moda se beneficia com essa popularização quanto o evento "alternativo" serve como chancela para a novela, já que muitos produtos semelhantes, que tentavam trazer a moda para a TV, não obtiveram a mesma legitimidade. A Rede Globo já demonstra estar entendendo que é preciso envolver os chamados fashionistas para ser verdadeiro e não cair na armadilha do pastiche e da caricatura.
É verdade que alguns ainda precisam aprender a se comportar -Tonico Pereira não parou um segundo na primeira fila, chegando a se levantar para conversar com algum colega, enquanto rolava o desfile (resta saber se algum ator gostaria que isso fosse feito durante uma peça de teatro), mas tudo corria bem.
Depois do desfile, o zunzunzum das celebridades pegou fogo e parecia até desfile de Versace em Milão. Tudo ia bem até a chegada de Bárbara Paz, a estrela da "Casa dos Artistas", que literalmente acabou com a festa. No dia seguinte, Bárbara Paz desfilaria para Jotta Sybalena. Simpática, sorridente, ela arrancou alguns aplausos e muitos sorrisos cúmplices -coisa rara na moda.
Os desfiles atrasaram em média uma hora, mas cumpriram a saudável promessa de ir um atrás do outro, o que dá incrível sensação de alívio na platéia. Bem que esse modelo poderia ser seguido por estilistas pequenos na São Paulo Fashion Week, não? Taí algo para se pensar para a próxima edição, quando subirão de 30 para 39 os participantes.
Balanço final: um evento bacana, bem bacana, que mostra jovens criadores crescendo, mesmo em tempos difíceis.


Leia a cobertura completa da Casa de Criadores no site www.erikapalomino.com.br

LORENZO MERLINO
Lorenzo Merlino fez um dos melhores desfiles do evento e um dos mais coesos. Pena que a invencionice de desfilar fora da luz impediu que se visse a contento elementos importantes. Merlino mostra bom domínio de proporções e volumes, no jogo geométrico apoiado nos botões, que sustentam e acoplam faixas às roupas e customizam bem os sapatinhos retrô. A inspiração são as salas de estar do final dos anos 70, trazendo couro marrom e veludo roxo, lidos sob perfume do estilo do modernismo fashion francês. São ótimas as camisetas desdobradas em túnicas, manchadas de chá, usadas também com a calça reta, sequinha. Seguras de sua sexualidade, suas mulheres aviadoras vêm de microssaias e microvestidos-camisas. Lembram o estranhamento e o distanciamento das figuras femininas de Cindy Sherman e até Vanessa Beecroft.

MARIA x MADALENA
Estreante no evento, a Maria x Madalena (o nome é irritante) começa com o pé direito. O look surpreende, brincando de apache street, com sobreposições e volumes em cores como o vermelho e o roxo, o creme e o verde. As formas são contemporâneas e supercool, como na calça branca com túnica de fitas; no conjunto de jaqueta e calça rock, em verde-pistache, em Gabrielle Furlan e nas calças urbanas amarradas, em silhueta sempre certinha.
Algumas imagens são deliciosas, mas a melhor de todas é mesmo o look com picotes e pluminhas em verde, branco e vermelho. O casaco inacabado de veludo marrom já é um tem-que-ter. A Maria x Madalena é sociedade entre o estilista Guilherme Mata, ex-Forum, e Lucimara de Oliveira, ex-Reinaldo Lourenço, no marketing.

GISELE NASSER
Ao som de Sigur Rós, a estilista desfilou coleção em sintonia com o romantismo hippie-folk e com o estilo Biba, tendências fortes do momento, em silhuetas que remetiam a recentes hits do Planeta Fashion. O desfile fica naquela categoria dos "lindos", com atmosfera etérea e impecável trabalho de cores. Romântico, suave e contemporâneo, o inverno de Giselle Nasser mostra uma estilista pronta para o mercado. Ela não começou a comercializar ainda: se eu fosse dona de uma multimarca, não perdia tempo. Artesanal e natural, sua roupa é o que querem as mulheres agora.

QUEM ENTRA NA SP FASHION WEEK:
Caio Gobbi, Lorenzo Merlino, Pôko Pano, V-Rom, Vide Bula e Jorge Kauffman, mais quatro nomes a confirmar.

KARLLA GIROTTO
Também está pronta e deve subir para o elenco A na próxima estação. Karlla Girotto é de um tipo de estilista que exorciza, na passarela, seus fantasmas e inquietudes, e nós, da platéia, temos a oportunidade de compartilhar isso. Karlla é uma artista. Na passarela, uma imagem de mulher glacial se opunha à de uma mulher magma, e essa dualidade de luz e sombra aparece em pares na passarela, em cores antagônicas -branco, marfim, azul-céu, menta, chumbo, preto-, em bordados inteligentes feitos a mão pela estilista, em frente ao espelho. A imagem é incrível, num imbricado patchwork de plissados, tramas de lã e trecê, um maluco rebanho fashion que tem seu clímax na criatura final, um andrógino fauno de três pernas inspirado no performático Matthew Barney. Golas, casacas, calças masculinas são as armas, e o cachecol grosso de fio torcido é um primor. Excelente.

EDUARDO INAGAKI
Novíssimo estilista do núcleo avant-garde da moda em SP, ele desdobra a geometria numa coleção supermegateen, que tem na imagem de Pedro Falcão de macacão-coeiro rosa seu emblema. O desfile é uma delícia, nessa tendência de infantilismos que serve como oposição a tempos sombrios (pense em Bernard Willhelm). Proporções grandes, cores fofas (azul, rosa, branco, amarelo), muita lã na saia de menina e na jaqueta feminina, linda em azul, blusê. As formas amplas funcionam. É nome para prestar atenção.

NO ÚLTIMO DIA...
Jum Nakao se recupera e mostra coleção all-black, com argolas de esportes radicais, exercitando-se nas formas. Mas é Marcelo Quadros quem mostra mais progressos, com um megamix ultrafashion e sempre chic das mulheres que ele ama: ladies, vamps, bitches, disco divas, cabaret e socialites, ao som da melhor house gay. Agora sim: proporções corretas, humor e ironia, com uma roupa bem costurada e (ufa!) de bom gosto. Sapatos lindos. Numa passarela de balões vermelhos, a V-Rom sai do gueto (viva!) e faz roupa para gente grande. Não é mais roupa só para a clubland, e tem até terninho. A bermuda estreita (e não street) é o melhor da coleção, junto com as estampas de bichos. Jeziel Moraes volta mais esperto, superbem. Faz uma silhueta mais descolada e comercial, que ainda assim preserva sua identidade. O jeans é uma delícia, no índigo ou no white, manchado de ferrugem, com atracadores em lugar de zíperes, fruto da paixão do estilista pelo S&M. Brinca de caubói (os cintos são hit) e de iconografia rebelde, com estampas de Elvis.



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