São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice TAKESHI KITANO VOL. 8 "Sou a mesma maldita pessoa de antes"
da Reportagem Local
Folha - Atualmente fala-se muito do renascimento do cinema japonês, mas você é uma das únicas figuras do "movimento". Você acredita nesse revival? Kitano - Não acredito de jeito nenhum. Isso é um produto da mídia. Principalmente por causa de "A Enguia", de Shohei Imamura, e "Hana-Bi", premiados em festivais de prestígio no mundo. Comecei como comediante e não tinha de forma alguma intenção de me tornar cineasta. Sou um "outsider" na indústria cinematográfica. E o fato de que, quando você pensa em filmes japoneses, tudo o que surge sou eu, é prova do quão baixo chegou nosso cinema... Se se tratasse de um corpo humano, eu seria uma célula cancerosa devorando um corpo que se torna cada vez mais fraco. Se eles realmente quiserem criar o "renascimento", têm de acabar com esse câncer. Folha - Você é um comediante, mas a única comédia que dirigiu foi um fracasso. Por quê? Kitano - "Getting Any?" foi um fracasso comercial, um desastre. Acho que tentei zombar de um meio chamado filme fazendo uma comédia. Ao colocar nele piadas, provavelmente tentei zombar da própria comédia em si. Isso foi bastante autodestrutivo e até mesmo um ato suicida no sentido de que tentei destruir totalmente uma imagem em relação ao meus filmes. Mas não somente deixei o filme ser destruído por mim como acabei me destruindo também com um acidente de moto! Folha - O acidente quase o matou. Você mudou muito com isso? Kitano - É a velha história: quando você sofre um acidente quase fatal, geralmente acontece uma revelação espiritual, uma inspiração artística ou algo do tipo. Eu, de verdade, gostaria que isso tivesse acontecido comigo! Esperava que o acidente me transformasse numa pessoa diferente, boa. Mas infelizmente isso não ocorreu. Sou a mesma maldita pessoa de antes. Quem trabalha comigo, porém, vive dizendo que, após o acidente, me tornei mais perseverante. Não percebi. Folha - A sociedade japonesa ainda é muito apegada a tradições e valores. E você é um diretor que ama quebrar regras. Você acha que os japoneses o compreendem? Kitano - Não é que eu adore quebrar regras ou conscientemente tente me tornar um rebelde ou algo parecido. Eu, basicamente, me considero como a criança de "A Roupa Nova do Imperador", que ousa dizer que o rei está nu. Não tenho certeza se o público japonês me entende bem e não tenho certeza se ligo para isso. Meu lema é: "Se você quer ter sucesso, não deixe ninguém se apoderar de sua imagem". Se o público achar que entende você, ele perde o interesse. Considero como uma relação ideal entre celebridades e massas a mesma entre um leão e um rebanho de zebras. Deve-se manter certa distância do rebanho, caso contrário eles o capturam. Você também não deve se afastar muito, senão morre de fome.
Folha - Você trabalhou no filme "Johnny Mnemonic", mas parece que não gostou muito da experiência. Você pensa dirigir ou atuar em um filme em Hollywood? Kitano - Não é que eu não tenha gostado da experiência. Eu estava tão empolgado em aparecer em um filme de Hollywood... Sentia-me como se estivesse indo para a Disney World pela primeira vez. E foi como se estivesse na Disney, só que eu não pude ir a nenhum dos brinquedos. Da próxima vez, farei com que possa brincar neles... Mas, quando isso diz respeito à direção, é algo totalmente diferente. Do que pude perceber em "Johnny Mnemonic" ou li por aí, tive a impressão de que os diretores hollywoodianos em geral têm menos liberdade do que tenho. Ouço que grande parte dos diretores de lá não tem o direito de editar seus próprios filmes. Não acredito que possa deixar alguém editar meus filmes, porque essa é a parte que mais gosto de todo o processo. Haveria outros problemas também, de língua, de como compor a equipe etc. Mas poderia dirigir um filme em Hollywood se todos esses empecilhos fossem resolvidos, caso contrário não estou interessado. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
|