São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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TAKESHI KITANO VOL. 8
"Sou a mesma maldita pessoa de antes"

da Reportagem Local

O cineasta Takeshi Kitano ainda não tem certeza se o público japonês entende o seu trabalho. Mas de uma coisa ele sabe: filmar em Hollywood só se os estúdios aceitarem trabalhar de seu jeito.
Leia a seguir a continuação da entrevista de Kitano à Folha, em que ele fala sobre o seu acidente de moto e sobre ter atuado na produção americana "Johnny Mnemonic", do diretor Robert Longo. (ES)

Folha - Você já disse certa vez que os filmes japoneses são famosos no mundo todo, menos no Japão. Por que isso acontece?
Takeshi Kitano -
O mercado de cinema japonês é completamente dominado por Hollywood. E o público daqui prefere assistir, pelo mesmo preço, a produções hollywoodianas de US$ 2 bilhões a ver filmes de arte locais. O mais interessante do público nipônico é que ele muda de opinião assim que sabe que um diretor é admirado internacionalmente.
Os japoneses, até pouco tempo, acreditavam que todos os meus filmes eram um fracasso. No momento em que "Hana-Bi" ganhou o Leão de Ouro em Veneza, passaram a agir como se fossem meus fãs há anos. Até os críticos, que sempre falaram mal dos meus filmes, começaram a me elogiar.


"Se o cinema japonês fosse um corpo, eu seria uma espécie de célula cancerosa"

Folha - Atualmente fala-se muito do renascimento do cinema japonês, mas você é uma das únicas figuras do "movimento". Você acredita nesse revival?
Kitano -
Não acredito de jeito nenhum. Isso é um produto da mídia. Principalmente por causa de "A Enguia", de Shohei Imamura, e "Hana-Bi", premiados em festivais de prestígio no mundo.
Comecei como comediante e não tinha de forma alguma intenção de me tornar cineasta. Sou um "outsider" na indústria cinematográfica. E o fato de que, quando você pensa em filmes japoneses, tudo o que surge sou eu, é prova do quão baixo chegou nosso cinema...
Se se tratasse de um corpo humano, eu seria uma célula cancerosa devorando um corpo que se torna cada vez mais fraco. Se eles realmente quiserem criar o "renascimento", têm de acabar com esse câncer.
Folha - Você é um comediante, mas a única comédia que dirigiu foi um fracasso. Por quê?
Kitano -
"Getting Any?" foi um fracasso comercial, um desastre. Acho que tentei zombar de um meio chamado filme fazendo uma comédia. Ao colocar nele piadas, provavelmente tentei zombar da própria comédia em si.
Isso foi bastante autodestrutivo e até mesmo um ato suicida no sentido de que tentei destruir totalmente uma imagem em relação ao meus filmes. Mas não somente deixei o filme ser destruído por mim como acabei me destruindo também com um acidente de moto!
Folha - O acidente quase o matou. Você mudou muito com isso?
Kitano -
É a velha história: quando você sofre um acidente quase fatal, geralmente acontece uma revelação espiritual, uma inspiração artística ou algo do tipo. Eu, de verdade, gostaria que isso tivesse acontecido comigo!
Esperava que o acidente me transformasse numa pessoa diferente, boa. Mas infelizmente isso não ocorreu. Sou a mesma maldita pessoa de antes. Quem trabalha comigo, porém, vive dizendo que, após o acidente, me tornei mais perseverante. Não percebi.
Folha - A sociedade japonesa ainda é muito apegada a tradições e valores. E você é um diretor que ama quebrar regras. Você acha que os japoneses o compreendem?
Kitano -
Não é que eu adore quebrar regras ou conscientemente tente me tornar um rebelde ou algo parecido. Eu, basicamente, me considero como a criança de "A Roupa Nova do Imperador", que ousa dizer que o rei está nu.
Não tenho certeza se o público japonês me entende bem e não tenho certeza se ligo para isso. Meu lema é: "Se você quer ter sucesso, não deixe ninguém se apoderar de sua imagem". Se o público achar que entende você, ele perde o interesse.
Considero como uma relação ideal entre celebridades e massas a mesma entre um leão e um rebanho de zebras. Deve-se manter certa distância do rebanho, caso contrário eles o capturam. Você também não deve se afastar muito, senão morre de fome.


"Considero-me como aquela criança que ousa afirmar que o rei está nu"

Folha - Você trabalhou no filme "Johnny Mnemonic", mas parece que não gostou muito da experiência. Você pensa dirigir ou atuar em um filme em Hollywood?
Kitano -
Não é que eu não tenha gostado da experiência. Eu estava tão empolgado em aparecer em um filme de Hollywood... Sentia-me como se estivesse indo para a Disney World pela primeira vez. E foi como se estivesse na Disney, só que eu não pude ir a nenhum dos brinquedos. Da próxima vez, farei com que possa brincar neles...
Mas, quando isso diz respeito à direção, é algo totalmente diferente. Do que pude perceber em "Johnny Mnemonic" ou li por aí, tive a impressão de que os diretores hollywoodianos em geral têm menos liberdade do que tenho.
Ouço que grande parte dos diretores de lá não tem o direito de editar seus próprios filmes. Não acredito que possa deixar alguém editar meus filmes, porque essa é a parte que mais gosto de todo o processo. Haveria outros problemas também, de língua, de como compor a equipe etc.
Mas poderia dirigir um filme em Hollywood se todos esses empecilhos fossem resolvidos, caso contrário não estou interessado.



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