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Diretor recuperou elo perdido do cinema
LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas
A impressionante expressão
agridoce de Takeshi Kitano resume o furor de dois mundos que se
completam sem se entender: o Japão aplicado no rigor dos rituais e
o Japão dito moderno, mas implacável com os dissonantes da sua secular hierarquia.
É fascinante a figura enigmática
de Kitano, mais ainda depois de
uma irreversível paralisia facial
que sofreu ao cair de moto. Ou desde que teve o traçado da sua personalidade definida ao atuar no filme
"Furyo", do mestre Nagisa Oshima, como o sádico, primitivo e terno sargento Hara, seu primeiro papel dramático no cinema depois de
conquistar popularidade no Japão
como humorista de rádio e televisão. Hoje ele é o homem mais famoso na mídia do seu país, depois
de 25 anos de atividades como diretor, ator, escritor, artista plástico
e comediante de TV.
Kitano, mais conhecido no Japão
como "Beat Takeshi", é a mais versátil personalidade do cinema contemporâneo graças ao seu rosto
enigmático. Coleciona dezenas de
comparações que, apesar dos seus
traços orientais, não deixam de resumir a própria história do cinema. De Buster Keaton a Quentin
Tarantino.
A lista é imensa. Somente durante o 54º Festival de Veneza, em que
recebeu o consagrador Leão de
Ouro por "Hana-Bi", a coleção de
comparações surgia aos montes na
imprensa internacional em forma
de elogios: Clint Eastwood, Don
Siegel, Yasujiro Ozu, Samuel Fuller, Frank Capra, Sam Peckinpah,
Jean-Pierre Melville, Dashiell
Hammett, Jacques Tati...
O fenômeno Kitano impunha
um estilo próprio e original e confundia os cinéfilos, mesmo os mais
unânimes na torcida por sua premiação em Veneza, em 1997. Hoje
é possível ver com mais clareza o
formato desse estilo com o retrospecto dos filmes dirigidos por ele e
melhor ainda nos que ele também
atua.
E foi só depois do sucesso em Veneza que Tarantino conseguiu
convencer a sua produtora, Miramax, a lançar "Sonatine", outro
ótimo filme dirigido e interpretado
por Kitano em 1993, em território
americano.
O feitiço virou contra o feiticeiro
na primavera passada no circuito
cult americano. E surgiram novas
comparações. "Esqueçam Tarantino, aqui está Takeshi", sentenciou
o "The Boston Phoenix". "Hana-Bi' penetra na escuridão da violência para revelar o seu coração aflito", filosofou a "Rolling Stone".
"Um tira da pesada com ternura",
definiu o "New York Times". "Hana-Bi' é como um filme de Orson
Welles refeito por Jerry Lewis",
atreveu-se a "Premiere" de Los
Angeles.
O minimalismo asfixiante, o lirismo complacente, a perseverança quase irracional, a violência
abafada, a paixão e a resignação
quase religiosas fazem desse gênio
do cinema um novo porta-voz de
corações aflitos.
E aí cabem todas as homenagens
retrospectivas do cinema sobre a
imagem de Takeshi Kitano. Ele cobre ansiedades como se cobria no
tempo em que o cinema nasceu e a
humanidade imigrava perplexa
para fazer Américas particulares.
Graças a Kitano o cinema não
perde a sua inocência original e nada parece muito diferente deste lado das telas, um século depois.
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