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ENCONTRO HISTÓRICO
Cineasta argentino Fernando Solanas fala com Zé Celso, Walmor Chagas e grupos em SP
Teatro encontra chão em "A Nuvem"
VALMIR SANTOS
da Redação
A história de um grupo de teatro independente que resiste à
ameaça de ter sua sede demolida,
narrada no filme "A Nuvem", em
cartaz há duas semanas, está mobilizando a chamada classe teatral
em São Paulo.
Na madrugada do último domingo, o Oficina abrigou um encontro histórico do cineasta argentino Fernando Solanas com
diretores e atores brasileiros, entre eles José Celso Martinez Corrêa, Walmor Chagas, Renato Borghi, Eduardo Tolentino de Araújo, Marco Antônio Rodrigues e o
grupo Parlapatões, Patifes & Paspalhões. Estavam presentes cerca
de 80 pessoas.
O clima era típico das reuniões
que marcaram o movimento teatral nos anos 60 e 70 (muitas delas
clandestinas), quando os grupos
adotavam uma postura politicamente engajada frente ao regime
militar. É desse período, por
exemplo, a gênese do Centro Popular de Cultura (CPC-UNE), órgão que tinha entre seus idealizadores o dramaturgo Oduvaldo
Vianna Filho ("Rasga Coração") e
o cineasta Leon Hirzsman ("Eles
Não Usam Black-Tie", adaptação
da obra de Guarnieri).
De volta ao encontro, foram
duas horas de discussão sobre os
pontos que ligam a situação dos
artistas argentinos do Teatro Espelho, no roteiro ficcional de Solanas, com o cenário desalentador
do teatro paulista, por extensão
brasileiro, no curso da década que
mingua.
Órfão das autoridades governamentais, sem público cativo, alvo
da concorrência da TV (coopção
dos atores que vêem no palco um
apêndice), carente da ousadia e
do talento de dramaturgos, diretores, atores, enfim, são muitos os
cânones da crise eternamente
anunciada.
Apesar de "A Nuvem" se passar
durante meses de uma chuva intermitente em Buenos Aires, Zé
Celso diz ter vislumbrado no filme "um sol ofuscante" que o catapultou para a luz e as trevas. "Fiquei com vergonha quando acabou a sessão, vergonha por causa
desse espelho terrível de olhar.
Mas depois veio a passagem para
o orgulho", ressuscita o diretor do
Uzyna Uzona, visivelmente emocionado durante boa parte da
conversa.
Depois de assistir à sessão do filme, em cartaz no espaço Unibanco, Zé Celso se viu estimulado a
agir. "Não dá mais para ficar no
discurso, na estatística. O charme
individual, a iniciativa isolada de
um grupo ou outro, nada disso
vai mudar as coisas. Temos de
exigir um fundo público para o
teatro", reivindica. "E os únicos
que podem quebrar esse espelho
são os atores."
A anuência de Solanas cristalizou idéias e pensamentos que iam
pela cabeça dos presentes. O cineasta enumerou êxitos conquistados pelos atores argentinos, à
custa de invasão do Congresso ou
passeatas. Foi assim, por exemplo, que nasceu o Instituto Nacional de Teatro, que a então dobradinha Menem/Cavallo engoliu
goela abaixo por conta do apoio
da população à causa.
"Os atores têm mais poder para
mobilizar a opinião pública que
os operários", sentencia Solanas.
"Se vocês ocupassem a avenida
Paulista, com certeza todos os
meios de comunicação teriam de
tratar do assunto. E os políticos,
sabemos, gostam de aparecer e vivem de resultados imediatos", comenta Solanas, com conhecimento de causa: ele já deputado em
seu país.
A atriz Imara Reis, que vem de
ano e meio de atuação em Buenos
Aires, participando do elenco de
"Chiquititas", novela exibida pelo
SBT, afirma que os atores argentinos são mais conscientes politicamente do que os colegas brasileiros. "Lá ninguém tem medo de falar e perder o emprego, não existe
essa coisa do monopólio da Globo, por exemplo", compara. "E
são os atores mais conhecidos que
puxam as reivindicações."
Zé Celso se espanta. "Aqui no
Brasil, a divisão entre quem faz
teatro e televisão é enorme, transformaram-nos numa espécie de
casta", queixa-se. O seu exercício
revisionista chegou ao ponto de
criticar "as últimas Cacildas" que
passaram pelo Oficina, aludindo a
Bete Coelho. "Foram Cacildas entre quatro paredes, sem a consciência da lida. Cacilda Becker era
antes de tudo uma atriz social",
rememora.
Aos poucos, instalou-se o tom
de assembléia. Os artistas sentiam-se como numa ágora das antigas cidades gregas. "O artista argentino tem um sentimental, uma
gravidade que nós não temos.
Aqui a gente é sempre associada
ao humor e não põe essa verdade
para fora, que é necessária para
transformar as coisas", despacha
Walmor Chagas. Ele era casado
com Cacilda Becker, atualmente
vive em Guaratinguetá (SP) e
aceitou o convite para o encontro
porque ficou comovido com os
reflexos da história portenha.
Chagas ironiza que "o teatro
precisa, urgentemente, da sua Semana de Arte Moderna", alegando que um dos marcos culturais
do país, em 22, contemplou mais
as artes plásticas e a literatura,
deixando o teatro a ver navios.
Renato Borghi, um dos âncoras
da montagem de "O Rei da Vela"
há 30 anos -texto do modernista
Oswald de Andrade-, ao lado de
Zé Celso e outros do mesmo Oficina, não esconde a indignação.
"As pessoas têm horror ao teatro, querem estabelecer com ele
uma relação mumificada, que não
tenha outra intenção que não oferecer divertimento imediato à
platéia, que aplaude e depois vai
comer pizza", argumenta.
Um dos organizadores do movimento Arte Contra a Barbárie,
que vem ganhando corpo desde o
lançamento do manifesto, cerca
de um ano atrás, o diretor Eduardo Tolentino de Araújo, do grupo
Tapa, também foi implacável na
análise. "Um dos aspectos do filme que mais me chamou atenção
foi o processo de idiotização das
pessoas. Estamos tão imbecilizados que, na hora em que anunciarem a privatização da Petrobras,
ninguém vai falar nada", aponta.
Apesar das idiossincrasias pinçadas aqui e ali no encontro, a
perspectiva de aproximação entre
o Arte Contra a Barbárie e Zé Celso resgata um sentido que o teatro
havia perdido.
Para aqueles que desdenham o
"discurso da classe", Solanas lembra que um dos motes de "A Nuvem" foi o processo de privatização que impregnou a economia
do seu país no início da década.
"Vários grupos tiveram luz e telefone cortados", avisa. Por aqui,
tem-se notícia de grupos que fizeram "gato" para ter luz em cena.
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