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CRÍTICA
Spike Lee acerta a mão em mosaico de época
LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada
Talvez seu melhor filme desde
"Faça a Coisa Certa" (1989), o peculiar diretor americano Spike
Lee nos enfia agora, goela abaixo,
este excelente "O Verão de Sam",
produção que dá sentido macabro à máxima que impõe NovaYork como a cidade que nunca
dorme.
Pois em Nova York, no verão de
1977, ninguém dormia mesmo.
Pelo menos não no bairro do
Bronx. Primeiro por causa do histórico calor infernal. Depois, porque a época era de "tolerância
mil", uma vez que gangues se esfaqueavam por drogas e centenas
de pessoas saqueavam lojas durante um dos mais longos blecautes que a cidade já viveu.
Até culturalmente Nova York
fervia. As ruas eram tomadas por
adeptos da disco music, enquanto
os primeiros punks saíam dos
guetos e começavam a circular,
ainda de forma ordeira, mas assustando pelo visual agressivo.
Mais um conflito.
É em meio a essa lambança subumana que Spike Lee exerce seu
papel de cronista cruel de Nova
York. Para engrossar o caldo, o
diretor reconstitui a história de
David Berkowitz, assassino serial
que aterrorizava a área italiana do
Bronx ao sair à noite para descarregar sua pistola 44 contra casais
que namoravam em automóveis.
Com certa predileção por mulheres morenas de cabelos compridos e guiado pela voz de um
cão (!?!), o assassino logo é batizado de "O Filho de Sam" pelos tablóides da cidade. Até a máfia local sai à caça do matador de casais, oferecendo uma gorda recompensa por sua cabeça.
Exímio cineasta do caos urbano, Spike Lee faz o espectador penetrar nesse conturbado estado
de coisas chamado Nova York 77
por meio dos olhos de Vinny, um
cabeleireiro do bairro, interpretado pelo ótimo John Leguizamo.
Usando o assassino como pano
de fundo e Vinny como veículo,
Spike Lee encaminha seu conto
de sexo, drogas e disco music pela
estrada das variações malucas decorrentes da histeria fora de controle.
No Bronx, Vinny era o tal. Até o
tal verão chegar. "Bon vivant" incorrigível, era invejado pelos amigos. Nas pistas do lendário Studio
54, o rei. Para aumentar sua cotação entre a turma, Vinny era casado com uma bela e inocente mulher, Dionna, encarnada pela bela
com cara de inocente Mira Sorvino.
A queda do império de Vinny
começa quando ele acredita ter
escapado milagrosamente do assassino, numa noite em que deixou sua mulher numa disco para
se divertir no carro com a prima
dela. Um outro casal, que estava
em um outro carro atrás do de
Vinny, foi brutalmente exterminado segundos depois de o rapaz
deixar o local. Sinal dos céus, pensa Vinny. A punição da orgia pela
consequência fatal, pensa Spike
Lee.
Para piorar, Vinny vai acabar
traindo o melhor amigo, Ritchie
(Adrien Brody), que volta à cidade depois de uns tempos em Londres. O problema é que Ritchie
reaparece punk, e a ascensão do
novo movimento o marginaliza,
fazendo dele um dos suspeitos da
italianada mafiosa. Ritchie voltou
diferente, esquisito, pensa Vinny.
Por ser "diferente", minoria, Ritchie é o bode expiatório ideal para
combater o medo do bairro, pensa Spike Lee.
Mesmo parecendo relegar a segundo plano a comunidade negra
tão cara a seus filmes, Spike Lee
dá sua estocada em uma cena. O
diretor aparece em "O Filho de
Sam", a certa altura, como um repórter que vai entrevistar a comunidade negra sobre os assassinatos. A conclusão a que se chega é
universal: as matanças são notícia
porque ocorrem em um bairro de
brancos. Assassinatos do mesmo
tipo acontecem a toda hora nos
bairros negros, mas aí não vão aos
jornais.
Uma história aparentemente
desorganizada, um belo retrato
de época, três ótimos atores (Leguizamo, Sorvino e Brody) e um
diretor que acerta a mão. Eis que
temos "O Filho de Sam".
Avaliação:
Filme: O Verão de Sam (The Summer of
Sam)
Direção: Spike Lee
Produção: EUA, 99
Com: John Leguizamo, Adrien Brody,
Mira Sorvino e Ben Gazarra
Onde: a partir de hoje, nos Cinearte 1,
Lumière 2 e circuito
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