São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2000


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CRÍTICA
Spike Lee acerta a mão em mosaico de época

LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada

Talvez seu melhor filme desde "Faça a Coisa Certa" (1989), o peculiar diretor americano Spike Lee nos enfia agora, goela abaixo, este excelente "O Verão de Sam", produção que dá sentido macabro à máxima que impõe NovaYork como a cidade que nunca dorme.
Pois em Nova York, no verão de 1977, ninguém dormia mesmo. Pelo menos não no bairro do Bronx. Primeiro por causa do histórico calor infernal. Depois, porque a época era de "tolerância mil", uma vez que gangues se esfaqueavam por drogas e centenas de pessoas saqueavam lojas durante um dos mais longos blecautes que a cidade já viveu.
Até culturalmente Nova York fervia. As ruas eram tomadas por adeptos da disco music, enquanto os primeiros punks saíam dos guetos e começavam a circular, ainda de forma ordeira, mas assustando pelo visual agressivo. Mais um conflito.
É em meio a essa lambança subumana que Spike Lee exerce seu papel de cronista cruel de Nova York. Para engrossar o caldo, o diretor reconstitui a história de David Berkowitz, assassino serial que aterrorizava a área italiana do Bronx ao sair à noite para descarregar sua pistola 44 contra casais que namoravam em automóveis.
Com certa predileção por mulheres morenas de cabelos compridos e guiado pela voz de um cão (!?!), o assassino logo é batizado de "O Filho de Sam" pelos tablóides da cidade. Até a máfia local sai à caça do matador de casais, oferecendo uma gorda recompensa por sua cabeça.
Exímio cineasta do caos urbano, Spike Lee faz o espectador penetrar nesse conturbado estado de coisas chamado Nova York 77 por meio dos olhos de Vinny, um cabeleireiro do bairro, interpretado pelo ótimo John Leguizamo.
Usando o assassino como pano de fundo e Vinny como veículo, Spike Lee encaminha seu conto de sexo, drogas e disco music pela estrada das variações malucas decorrentes da histeria fora de controle.
No Bronx, Vinny era o tal. Até o tal verão chegar. "Bon vivant" incorrigível, era invejado pelos amigos. Nas pistas do lendário Studio 54, o rei. Para aumentar sua cotação entre a turma, Vinny era casado com uma bela e inocente mulher, Dionna, encarnada pela bela com cara de inocente Mira Sorvino.
A queda do império de Vinny começa quando ele acredita ter escapado milagrosamente do assassino, numa noite em que deixou sua mulher numa disco para se divertir no carro com a prima dela. Um outro casal, que estava em um outro carro atrás do de Vinny, foi brutalmente exterminado segundos depois de o rapaz deixar o local. Sinal dos céus, pensa Vinny. A punição da orgia pela consequência fatal, pensa Spike Lee.
Para piorar, Vinny vai acabar traindo o melhor amigo, Ritchie (Adrien Brody), que volta à cidade depois de uns tempos em Londres. O problema é que Ritchie reaparece punk, e a ascensão do novo movimento o marginaliza, fazendo dele um dos suspeitos da italianada mafiosa. Ritchie voltou diferente, esquisito, pensa Vinny. Por ser "diferente", minoria, Ritchie é o bode expiatório ideal para combater o medo do bairro, pensa Spike Lee.
Mesmo parecendo relegar a segundo plano a comunidade negra tão cara a seus filmes, Spike Lee dá sua estocada em uma cena. O diretor aparece em "O Filho de Sam", a certa altura, como um repórter que vai entrevistar a comunidade negra sobre os assassinatos. A conclusão a que se chega é universal: as matanças são notícia porque ocorrem em um bairro de brancos. Assassinatos do mesmo tipo acontecem a toda hora nos bairros negros, mas aí não vão aos jornais.
Uma história aparentemente desorganizada, um belo retrato de época, três ótimos atores (Leguizamo, Sorvino e Brody) e um diretor que acerta a mão. Eis que temos "O Filho de Sam".


Avaliação:     


Filme: O Verão de Sam (The Summer of Sam) Direção: Spike Lee Produção: EUA, 99 Com: John Leguizamo, Adrien Brody, Mira Sorvino e Ben Gazarra Onde: a partir de hoje, nos Cinearte 1, Lumière 2 e circuito


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