São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

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CDS

MPB

Disco traz canções interpretadas por artistas como Fernanda Abreu e Toquinho

Pasmaceira cinzenta aniquila pouco brilho de "Salve Jorge"

ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aurora do século do caos e a tal linha evolutiva da MPB concebida por Caetano Veloso para justificar historicamente o Tropicalismo é apenas uma entre as dezenas de vias possíveis. A ascensão de novos mitos e ícones, em paralelo à revisão secular da reputação de velhos heróis, expandiu o conceito de música brasileira para além do apertado Olimpo crescido sob o jazz e a bossa nova, elite reunida ao redor de Chico e Caetano.
As décadas de transição que atravessamos nos apresentaram a novos cânones (hip hop, eletrônica, funk carioca, mangue beat), reciclando gêneros (black music, reggae, música caipira, samba de raiz, forró, samba-rock) e revendo velhos mestres (em caixas de CD, DVDs, songbooks e até literais ressurreições de carreiras tidas como mortas). A quantidade de novos nomes arquivados na gaveta "Música Brasileira" no atual imaginário coletivo não fixa seus olhos em poucos escolhidos.
Há uma constelação de artistas, cujo mínimo denominador comum talvez seja uma certa crueza sentimental, aspereza lírica que pode se traduzir tanto em choro de raiva quanto em alegria tranqüila. E como num estereograma, duas figuras saltam como o yin e o yang desta galáxia: Roberto Carlos e Jorge Ben. Ambos filhos da bossa nova, beberam na falta de sutileza do rock para converter realidade em música, sem firulas poéticas. Ambos atravessam um longo período de reabilitação pública. Tornaram-se redundantes no início da década de 90 ao mesmo tempo em que seus anos 70 eram descobertos por toda uma nova geração de músicos, dispostos a reler seus trabalho com novas ferramentas. Vieram regravações, acústicos e coletâneas. Suas carreiras foram revistas e suas reputações, confirmadas.
Assim, "Salve Jorge" não consegue ser nada além de apenas mais uma das homenagens que Ben recebe desde que começou a perder a mão. Percebem-se as proverbiais boas intenções, mas falta profundidade e foco. Numa tentativa de abranger a pluralidade não-linear da atual MPB, esquece de focar em dois gêneros em que Jorge Ben é capital na afirmação de uma identidade nacional: drum'n'bass e hip hop. O fato de ser um apanhadão de gravações ajuda a desqualificar o projeto.
O brilho específico de faixas como "Mas que Nada" com o Tamba Trio e a boa surpresa de uns poucos ("Errare Humanum Est" com Zé Ramalho) são aniquilados pela pasmaceira cinzenta de versões que mal passam da linha da cintura. É claro que não dá pra jogar Fernanda Abreu, O Rappa, Maurício Manieri e Gal Costa na mesma vala (pensando bem... por que não?), mas se até bambas como Jorge Aragão e Toquinho erram feio ao apostar no trivial...
Se comparada a "Músicas para Tocar em Elevador" (1997), "Salve Jorge" parece mero gesto infantil de levar a mão ao peito quando vê a seleção cantar o hino nacional: é intuitivo, feito às pressas e mostra um respeito canino que quase resvala no medo. Mas, sabe como é, tem gente que acha bonitinho...


Salve Jorge
 
Artista: vários
Gravadora: BMG
Quanto: R$ 35, em média


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