São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

Diretor copia estilos e segue distorcendo o mundo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A idéia que o cineasta francês Jean-Pierre Jeunet faz de "contar uma história" não se confunde com o ato de transmitir uma seqüência de acontecimentos a seu ouvinte (ou espectador, se se trata de um filme).
Para o diretor, narrar equivale a adulterar cores, inserir vinhetas, desenvolver "flashbacks" onde não são chamados e muito menos são necessários, jogar uma luz cegante às costas de cada personagem que está no escuro, lançar ligeiras brisas na paisagem campestre. Etc. etc. etc.
Traduzindo: contar uma história, para Jeunet, consiste basicamente em submergi-la sob uma enorme quantidade de sinais que caracterizam a nauseante "grife Jeunet", de tal modo que quase podemos nos esquecer de que ali existe uma história a ser narrada.
Mas existe. Chama-se "Eterno Amor". O título brasileiro nos adverte que vem aí uma xaropada daquelas. Mas não era necessário que isso acontecesse.
A história narrada consiste na saga razoavelmente complexa -pelo número de elementos implicados- da jovem Mathilde (vivida por Audrey Tautou), que procura, obstinadamente, por seu amado Manech (Gaspard Ulliel), condenado à morte pelos próprios militares franceses e dado como morto durante a Primeira Guerra Mundial.
Nisso entra um pouco de tudo: os conhecidos desmandos do Estado-maior francês, vinganças romanescas, as amizades entre camaradas do campo de batalha, detetives cômicos ou supostamente cômicos, camponeses simpáticos. E muitas, muitas, muitas cenas de guerra. Elas se sucedem, intermináveis, ruidosas, detalhadas -e de preferência imitando Stanley Kubrick ("Nascido para Matar").
Há ainda muitas cenas de carteiro, imitando Jacques Tati. E ainda fotografias antigas (em preto-e-branco), cenas aéreas rasantes, muito vento sobre campos cultivados (coloridos em excesso), posições de câmera acrobáticas, sem contar o recurso às reconstituições computadorizadas de Paris. Elas são bastante falsas, diga-se de passagem, mas não mais do que o conjunto total do filme -de tal modo que é difícil saber se esse ar falso é um defeito ou não.
Desta vez, a tonalidade dominante não é o verde-bile de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain". Nem por isso o mundo que se desenha à nossa frente é menos artificial e distorcido -isso é o que Jeunet parece acreditar ser um estilo.
Assistir às mais de duas horas de projeção de "Eterno Amor" é um exercício árduo, mas nem por isso fértil.


Eterno Amor
Un Long Dimanche de Fiançailles
Direção: Jean-Pierre Jeunet
Produção: França/EUA, 2004
Com: Audrey Tautou, Gaspard Ulliel, Jean-Pierre Becker
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul, Espaço Unibanco, Frei Caneca Unibanco Arteplex, Lumière, Villa-Lobos e circuito


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