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CRÍTICA
Diretor copia estilos e segue distorcendo o mundo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A idéia que o cineasta francês
Jean-Pierre Jeunet faz de
"contar uma história" não se confunde com o ato de transmitir
uma seqüência de acontecimentos a seu ouvinte (ou espectador,
se se trata de um filme).
Para o diretor, narrar equivale a
adulterar cores, inserir vinhetas,
desenvolver "flashbacks" onde
não são chamados e muito menos
são necessários, jogar uma luz cegante às costas de cada personagem que está no escuro, lançar ligeiras brisas na paisagem campestre. Etc. etc. etc.
Traduzindo: contar uma história, para Jeunet, consiste basicamente em submergi-la sob uma
enorme quantidade de sinais que
caracterizam a nauseante "grife
Jeunet", de tal modo que quase
podemos nos esquecer de que ali
existe uma história a ser narrada.
Mas existe. Chama-se "Eterno
Amor". O título brasileiro nos adverte que vem aí uma xaropada
daquelas. Mas não era necessário
que isso acontecesse.
A história narrada consiste na
saga razoavelmente complexa
-pelo número de elementos implicados- da jovem Mathilde
(vivida por Audrey Tautou), que
procura, obstinadamente, por seu
amado Manech (Gaspard Ulliel),
condenado à morte pelos próprios militares franceses e dado
como morto durante a Primeira
Guerra Mundial.
Nisso entra um pouco de tudo:
os conhecidos desmandos do Estado-maior francês, vinganças romanescas, as amizades entre camaradas do campo de batalha,
detetives cômicos ou supostamente cômicos, camponeses simpáticos. E muitas, muitas, muitas
cenas de guerra. Elas se sucedem,
intermináveis, ruidosas, detalhadas -e de preferência imitando
Stanley Kubrick ("Nascido para
Matar").
Há ainda muitas cenas de carteiro, imitando Jacques Tati. E
ainda fotografias antigas (em preto-e-branco), cenas aéreas rasantes, muito vento sobre campos
cultivados (coloridos em excesso), posições de câmera acrobáticas, sem contar o recurso às reconstituições computadorizadas
de Paris. Elas são bastante falsas,
diga-se de passagem, mas não
mais do que o conjunto total do
filme -de tal modo que é difícil
saber se esse ar falso é um defeito
ou não.
Desta vez, a tonalidade dominante não é o verde-bile de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain". Nem por isso o mundo que
se desenha à nossa frente é menos
artificial e distorcido -isso é o
que Jeunet parece acreditar ser
um estilo.
Assistir às mais de duas horas
de projeção de "Eterno Amor" é
um exercício árduo, mas nem por
isso fértil.
Eterno Amor
Un Long Dimanche de Fiançailles
Direção: Jean-Pierre Jeunet
Produção: França/EUA, 2004
Com: Audrey Tautou, Gaspard Ulliel,
Jean-Pierre Becker
Quando: a partir de hoje nos cines
Jardim Sul, Espaço Unibanco, Frei Caneca
Unibanco Arteplex, Lumière, Villa-Lobos
e circuito
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