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"O CASAMENTO PERFEITO"
Rohmer usa desvãos para lidar com natureza do amor
CRÍTICO DA FOLHA
Em "Minha Noite com Ela", o
mais conhecido dos seus
"Contos Morais", Eric Rohmer
narra a história de um engenheiro
que decide casar com uma garota
que vê na igreja.
Em "O Casamento Perfeito",
Sabine (Béatrice Romand), estudante de arte, decide romper com
o amante -um pintor casado-
e arrumar um marido. Uma das
diferenças entre os dois filmes é
que, no primeiro, o protagonista
toma a decisão de casar em função de alguém que viu (embora
não conheça), enquanto neste a
decisão de casar precede o encontro do objeto.
A diferença mais marcante, porém, diz respeito à ênfase que
Rohmer passa a dar, na série "Comédias e Provérbios" (que "O Casamento Perfeito" integra), à natureza dual do real, que o autor vê
ao mesmo tempo como palpável,
empírico e imaginário.
O amor é, evidentemente, um
assunto propício à abordagem
dessa dupla natureza das coisas.
Clarisse (Arielle Dombasle), amiga de Sabine, logo trata de apresentá-la a seu primo Edmond
(André Dussolier) e, em seguida,
convence-a de que nunca antes
presenciara um caso de "amor à
primeira vista" como este.
Como saber se foi mesmo amor
à primeira vista? Ou antes: o que é
amor à primeira vista? Isso é o que
Sabine vai tirar a limpo do momento em que se convence de que
Edmond é mesmo o homem com
quem vai se casar.
E Edmond é um sujeito esquivo,
cujo sorriso parece sempre colocá-lo à disposição da moça, mas,
ao mesmo tempo, cria uma área
de escape diante da qual Sabine
não tem (e nem nós) condição de
decifrar aquele rosto e as suas intenções.
A natureza do amor é imaginária: lidar com essa dificuldade, e
equacioná-la, não é um mérito
menor de Rohmer neste filme. O
objeto escolhido por Sabine (ou
por qualquer pessoa) é plenamente arbitrário. Ele se funda,
aqui, no fato de que alguém
-Clarisse, no caso- afirma que
ele existe. Ou seja, o olhar dessa
terceira pessoa é fundamental para que o amor passe do mundo
imaginário ao mundo concreto. O
amor precisa -ou pelo menos
aprecia- ser referendado para
existir: a "pessoa de fora" é tão
importante, no caso, quanto os
amantes.
Como quase sempre em Rohmer, como sempre nas suas séries, "O Casamento Perfeito" preserva a estrutura de conto: poucos
personagens, uma ficção ligeira,
centrada em uma única questão e
suas variantes.
É sobretudo pela "mise-en-scène" que o filme desperta o interesse do espectador, isto é, pela maneira como Rohmer permite que
essas duas instâncias, a do empírico e a do imaginário, se manifestem plenamente ao longo do filme, se encontrem e se desencontrem, antes do desenlace.
No caso, a notar, a primeira e a
última cena, quase idênticas, com
Sabine cruzando, no interior de
um trem, com um mesmo rapaz.
Mas a disposição dela em face do
mundo é inteiramente diversa.
São esses pequenos desvãos, no
entanto, nos quais o cinema dá
conta da vastidão de cada ser, que
fazem o encanto de "O Casamento Perfeito".
(INÁCIO ARAUJO)
Um Casamento Perfeito
Le Beau Mariage
Direção: Eric Rohmer
Produção: França, 1982
Com: Béatrice Romand, André Dussolier
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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