São Paulo, sábado, 25 de março de 2000


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TEATRO
"Auto das Águas", com Beatriz Sayad e Danielle Barros, estréia na Mostra Oficial
Duas mulheres à deriva no palco

VALMIR SANTOS
enviado especial a Curitiba

Em 1996, Beatriz Sayad contracenava com Alessandra Fernandez em "Mil Trezentos e Trinta e Sete", espetáculo concebido sob a técnica do clown e um dos destaques daquele ano no Festival de Teatro de Curitiba.
Tratava-se de mais um trabalho do Teatro Sunil, grupo criado na Suíça pelo diretor Daniele Finze Pasca e integrado por brasileiras, Sayad incluída. Hoje, na 9ª edição do mesmo festival, que termina amanhã, ela estréia "Auto das Águas", também um "dueto", agora com Danielle Barros.
Não se trata do Sunil, tampouco do Pequeno Teatro Sunil, como Sayad batizou o já extinto braço brasileiro do grupo. Mas não dá para dissociar do mergulho na pesquisa da linguagem do clown, aqui mais sutil e sem a utilização de maquiagem. O novo projeto reúne profissionais do Rio. Quem assina a direção é Ana Achcar. A dramaturgia é de Rosyane Trotta.
"Auto das Águas" é a história de duas mulheres à deriva. Elas estão num barco "pescando" cartas enviadas e nunca recebidas -tão sem destino quanto elas. É nesse pedaço de madeira sobre o mar que se conhecem e compartilham angústias, frustrações e lampejos de lirismo.
As personagens estabelecem a morte como ponto de chegada. "Remam" para lá como quem vai a uma festa, ainda que não tenham escolhido a melhor roupa.
Aos poucos, emerge o amor que mobiliza, para o bem ou para o mal. Em seus diálogos, arrancam-se olhos, raspam-se cabelos, negam-se a comer por dias, meses, anos até. O sacrifício é um modo de provar o quanto se ama.
"Quando a gente foi criando o texto com a dramaturga, percebemos cada vez mais que a história das cartas extraviadas se confundia com a própria situação delas, excluídas, isoladas", diz a diretora Ana Achcar. "Elas percebem que aquele é o espaço da morte. Ali só chegam coisas que não vão acontecer, o espaço do purgatório."
Ana acrescenta que a discussão sobre o tempo (a subutilização do efetivo e a lamentação pelo perdido) também está presente em "Auto das Águas".
Apesar da pulsão de morte das personagens, que contrasta com as canções de infância que entoam em alto-mar, não se encerra uma moral ou mensagem. "A saída que encontramos não é exatamente um final feliz, mas evidencia que a transformação na vida quase sempre é para melhor."
Não bastassem as tempestades interiores, as mulheres passam por momentos de mar revolto, quando a própria natureza parece se voltar contra elas. "Não são heroínas, apenas cometem uma depuração no contato com o próximo e praticam o autoconhecimento", conclui a diretora.


O jornalista Valmir Santos viaja a convite da organização do festival

Saiba mais sobre o Festival de Teatro de Curitiba na Internet, em www.uol.com.br/fol


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