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TEATRO
"Auto das Águas", com Beatriz Sayad e Danielle Barros, estréia na Mostra Oficial
Duas mulheres à deriva no palco
VALMIR SANTOS
enviado especial a Curitiba
Em 1996, Beatriz Sayad contracenava com Alessandra Fernandez em "Mil Trezentos e Trinta e
Sete", espetáculo concebido sob a
técnica do clown e um dos destaques daquele ano no Festival de
Teatro de Curitiba.
Tratava-se de mais um trabalho
do Teatro Sunil, grupo criado na
Suíça pelo diretor Daniele Finze
Pasca e integrado por brasileiras,
Sayad incluída. Hoje, na 9ª edição
do mesmo festival, que termina
amanhã, ela estréia "Auto das
Águas", também um "dueto",
agora com Danielle Barros.
Não se trata do Sunil, tampouco
do Pequeno Teatro Sunil, como
Sayad batizou o já extinto braço
brasileiro do grupo. Mas não dá
para dissociar do mergulho na
pesquisa da linguagem do clown,
aqui mais sutil e sem a utilização
de maquiagem. O novo projeto
reúne profissionais do Rio. Quem
assina a direção é Ana Achcar. A
dramaturgia é de Rosyane Trotta.
"Auto das Águas" é a história de
duas mulheres à deriva. Elas estão
num barco "pescando" cartas enviadas e nunca recebidas -tão
sem destino quanto elas. É nesse
pedaço de madeira sobre o mar
que se conhecem e compartilham
angústias, frustrações e lampejos
de lirismo.
As personagens estabelecem a
morte como ponto de chegada.
"Remam" para lá como quem vai
a uma festa, ainda que não tenham escolhido a melhor roupa.
Aos poucos, emerge o amor que
mobiliza, para o bem ou para o
mal. Em seus diálogos, arrancam-se olhos, raspam-se cabelos, negam-se a comer por dias, meses,
anos até. O sacrifício é um modo
de provar o quanto se ama.
"Quando a gente foi criando o
texto com a dramaturga, percebemos cada vez mais que a história
das cartas extraviadas se confundia com a própria situação delas,
excluídas, isoladas", diz a diretora
Ana Achcar. "Elas percebem que
aquele é o espaço da morte. Ali só
chegam coisas que não vão acontecer, o espaço do purgatório."
Ana acrescenta que a discussão
sobre o tempo (a subutilização do
efetivo e a lamentação pelo perdido) também está presente em
"Auto das Águas".
Apesar da pulsão de morte das
personagens, que contrasta com
as canções de infância que entoam em alto-mar, não se encerra
uma moral ou mensagem. "A saída que encontramos não é exatamente um final feliz, mas evidencia que a transformação na vida
quase sempre é para melhor."
Não bastassem as tempestades
interiores, as mulheres passam
por momentos de mar revolto,
quando a própria natureza parece
se voltar contra elas. "Não são heroínas, apenas cometem uma depuração no contato com o próximo e praticam o autoconhecimento", conclui a diretora.
O jornalista Valmir Santos viaja a convite da
organização do festival
Saiba mais sobre o Festival de Teatro de Curitiba na Internet, em www.uol.com.br/fol
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