São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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CINEMA CRÍTICA
'City of Angels' deu certo

AMIR LABAKI
de Nova York

Era uma daquelas fórmulas hollywoodianas de improbabilíssimo sucesso: uma refilmagem americanizante do "cult" "Asas do Desejo" (1988), de Wim Wenders.
Los Angeles substitui Berlim, o sistema de estrelato exige Nicolas Cage e Meg Ryan nos papéis centrais, a ênfase histórica cede lugar ao enfoque romântico, sai Wenders e entra Brad Silberling. Milagre: deu mais do que certo.
"City of Angels" ("Cidade dos Anjos") desbancou "Perdidos no Espaço" e "Titanic" e há duas semanas lidera o ranking de bilheterias nos EUA.
Deve perder o posto com a avalanche de estréias de ontem (um novo "Tarzan", a bela Gwyneth Paltron arrasando em "Sliding Doors", o "bad boy" Robert Downey Jr. num "menage a trois" em "Two Girls and a Guy"). Mas já fez bonito.
O sucesso deve-se, antes de tudo, ao sólido roteiro de Dana Stevens, que adapta para a Los Angeles atual os princípios básicos do drama de Wenders.
A questão central continua sendo a sedução pela vida a partir da paixão de um anjo por uma bela mortal.
Stevens alivia a trama de certo pedantismo do original, apostando em personagens fortes e frisando o encanto dos prazeres terrenos -sexo, acredite, relegado a segundo plano.
O anjo Seth apaixona-se pela médica Maggie ao vê-la entrar em parafuso ao perder um paciente na mesa de operações. Seth é um Cage todo de preto, mais melancólico que nunca. Uma sutil Ryan faz Maggie e empalidece ainda mais a lembrança de Solveig Dommartin.
O cupido que catalisa a relação é um obeso e desobediente paciente, o dionisíaco Nathaniel Messinger. A grande sacada do "casting" foi escalar para o papel o empático Dennis Franz da telessérie "NYPD".
Franz rouba as poucas cenas em que aparece e duplica nessa versão americana o impacto de Peter Falk no "Asas" original.
A direção Silberling não nos furta de belas homenagens a Wenders, ao repetir sobre Los Angeles as grandes panorâmicas sobre Berlim ou as cenas em que os anjos devassam o cotidiano da cidade ao caminhar lendo as mentes de seus habitantes.
Mas o jovem cineasta americano é fiel ao espírito de "Asas" sobretudo ao refazê-lo a seu modo. Wenders embalou sua fábula com filosofia histórica alemã e acabou flertando com o kitsch.
Silberling comenta a sua com meros trechos de Hemingway ("Paris É Uma Festa") e chega a um filme mais sincero e orgânico.
Se tivesse evitado o final previsivelmente melodrámatico, Hollywood inteira estaria comemorando sua mais importante vitória frente ao estigma das refilmagens.



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