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CINEMA/ESTRÉIAS
"CÓDIGO DESCONHECIDO"
Após premiação em Cannes, cineasta austríaco diz que longa é "emaranhado de episódios"
Haneke fragmenta cotidiano e xenofobia
JOSÉ ROCHA M. FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM VIENA
O cineasta austríaco Michael
Haneke, 59, recebeu o Grande
Prêmio do Júri no Festival de
Cannes deste ano pelo filme "La
Pianiste". Seu filme anterior, "Código Desconhecido" -"um emaranhado de episódios cotidianos"-estréia hoje em São Paulo.
Haneke falou à Folha sobre
"Código Desconhecido", sobre a
produção cinematográfica contemporânea na Áustria e também
sobre a situação política austríaca.
Leia a seguir os principais trechos
da entrevista.
Folha - A violência aparece como
tema recorrente em seus filmes. A
violência de cidadão contra cidadão aparece em "Violência Gratuita", em seguida, a situação violenta de imigrantes ilegais que vivem
nas grandes cidades européias em
"Código Desconhecido". O sr. ligaria sua obra a temas sobre violência?
Michael Haneke - "Violência
Gratuita" seria um comentário
sobre o discurso midiático em
torno do tema violência. É um filme de recepção controversa.
Em "Código Desconhecido",
existe a tematização da violência,
mas esse não é único aspecto ou o
tema principal, pois o filme é fragmentado, um emaranhado de
episódios cotidianos.
De qualquer maneira, minha intenção é suscitar um diálogo, provocar questões e assim despertar,
nas pessoas, o interesse pela discussão.
Não gostaria que meus filmes
fossem recebidos de uma maneira
unânime.
Folha - O sr. relacionaria os conflitos urbanos abordados no filme
com a situação político-social da
Áustria? Qual seu posicionamento
em relação ao governo atual?
Haneke - "Código Desconhecido" não fala especificamente sobre a situação social da Áustria. É
um comentário sobre o estranhamento e xenofobia na França.
Sobre a atual situação política
na Áustria, vários artistas têm se
manifestado abertamente contra
a xenofobia latente do partido de
Joerg Haider e, mais recentemente, com as vitórias da esquerda
nas eleições municipais daqui. É
provável que Haider e seus aliados da direita percam cada vez
mais espaço.
Folha - Como o sr. definiria a produção contemporânea de cinema
na Áustria? Existe algum apoio oficial à realização cinematográfica?
Haneke - "Código Desconhecido" é uma co-produção da França, Alemanha e Romênia. É lamentável que o governo austríaco
ainda não apóie a produção local.
Fala-se muito em música, em
belas artes, mas o cinema ainda é
pouco visto, oficialmente, também como manifestação artística
e nele se investe pouco ou quase
nada. Espero que essa situação
mude com os filmes austríacos
sendo bem acolhidos internacionalmente, tal como aconteceu no
Festival de Cannes (além de "La
Pianiste", de Michael Haneke, foram exibidos o longa-metragem
de estréia de Jessica Hausner,
"Lovely Rita", e o curta-metragem "Null Defizit", de Ruth Mader).
Folha - Em "La Pianiste", sua produção mais recente e premiada em
Cannes, o senhor optou por adaptar um romance de Elfriede Jelinek,
uma escritora engajada com causas políticas e que tem sido perseguida desde que o partido de Joerg
Haider assumiu o governo da Áustria. Sua opção foi deliberada?
Haneke - O romance me interessa bastante devido à sua forte carga explosiva. Ele fala das relações
interpessoais de tirania e de dependência, de voyeurismo e de
sadomasoquismo. A história é
fascinante pelas suas possibilidades de associações, ela me tomou
completamente de assalto: é um
comentário aguçado do mundo
feminino feito por uma mulher.
José Rocha M. Filho é jornalista e doutorando em estética fílmica na Universidade de Viena
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