São Paulo, sexta-feira, 25 de maio de 2001

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CRÍTICA

Filme expressa sintomas da nova barbárie

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Em "Funny Games" (1997), a crítica que Michael Haneke fazia ao esquema de suspense dos thrillers e à estilização da violência era tanto mais radical quanto mais o cineasta sacrificava a sua liberdade de autor. Era como se concluísse que só poderia criticar esse esquema entregando-se a ele, repetindo-o e dissecando-o.
Em "Código Desconhecido", o diretor austríaco parte de uma estrutura menos rígida para ter maior liberdade criativa e melhor expressar, assim, tanto seu talento quanto sua posição. É um filme mais imperfeito, mas na exata medida em que mais autoral.
Haneke faz sentir os sintomas da nova barbárie e retoma um tema caro ao cinema do pós-guerra: a banalização do atroz, para flagrar a ascensão do intolerável na Europa contemporânea.
Na rua, um jovem francês humilha uma pedinte da Europa Central. Um filho de imigrantes africanos intervém a favor da mendiga e acaba preso com ela. Em casa, para não ouvir as surras que os vizinhos dão na filha, uma atriz (Juliette Binoche) aumenta o som da televisão. A atriz não intervém, e a criança acaba morta. Eis os fragmentos de uma situação (cronicamente) inviável.
Tornado simples fato social, o atroz proliferou-se, ultrapassando a capacidade de reação: é a constatação central do cinema do pós-guerra -fundamental a cena em que Binoche, fazendo o teste para um filme, é aprisionada numa câmara de gás imaginária. "Reaja!", ordena o diretor. "Mas como?", pergunta-se ela.
"Como reagir?": é esse o questionamento que a atriz faz ao namorado, um fotojornalista que acaba de voltar da guerra dos Bálcãs. Eles não sabem se querem ter um filho, e é essa a preocupação que parece inquietar Haneke: como criar uma criança num mundo assim? Como protegê-la dessa sensação de pânico que as crianças surdas-mudas que abrem e fecham o filme tentam exprimir?


Código Desconhecido
Code Inconnu
   
Direção: Michael Haneke
Produção: França/Alemanha/Romênia, 2000
Com: Juliette Binoche e Thierry Neuvic
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Lumière e circuito





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