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ARTES PLÁSTICAS
Com "Poema Industrial", o artista será o único brasileiro a participar de duas edições da mostra alemã
Cildo Meireles distribui picolés em Kassel
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
A partir do próximo dia 8, 12
carrinhos de sorvete estarão circulando pela cidade de Kassel, na
Alemanha, distribuindo picolés
de água (e só água mesmo) "made
in Brasil". A obra, denominada
"Poema Industrial", é um projeto
do artista plástico Cildo Meireles,
um dos 113 escolhidos para compor a 11ª Documenta de Kassel,
considerada a mais importante
mostra do gênero, que é inaugurada em junho. Todo os equipamentos para a obra são importados do Brasil, dos palitos e embalagens à "picoleteira".
Será a segunda vez, privilégio
raro e no Brasil inédito, que Meireles participa da Documenta. A
outra foi há dez anos. Nessa 11ª
edição, o país está ainda representado por Artur Barrio.
A curadoria está a cargo do nigeriano Okwui Enwezor, primeiro não-europeu a cuidar da exposição. "O Okwui espera distribuir
um milhão de picolés, para mim
300 mil já seria ótimo", diz Meireles à Folha.
Ainda não está definido se o picolé será cobrado ou não. O artista brasileiro chega amanhã a Kassel para coordenar a instalação da
obra.
Três tipos de picolé serão distribuídos: com palitos azuis, amarelos e verdes. As embalagens são da
mesma cor e cada um tem um formato diferente. Nos palitos há
duas inscrições: na parte de baixo
lê-se "elemento desaparecendo";
depois de se degustar o picolé surge "elemento desaparecido".
"A proposta é trabalhar com a
idéia de dissolução e apontar para
uma questão, a da água, que apesar dos conflitos étnicos e religiosos atuais, é um tema vital para o
planeta", diz Meireles.
Na obra, o artista reforça sua
poética em utilizar elementos cotidianos provocando uma "manifestação de tensão e torção", como definiu o curador Paulo Herkenhoff.
"Procuro, sempre que é possível, trabalhar com materiais que
tenham uma ambiguidade intrínseca, que sejam símbolo e matéria-prima ao mesmo tempo", afirma Meireles.
A inspiração para "Poema Industrial" tem quase 30 anos. Foi
em 1974, em Campinas, cidade
próxima a Goiânia, numa rodoviária: "Vi vários moleques vendendo picolés em carrinhos e havia três preços distintos; os mais
baratos eram feitos de água", relembra.
A água já esteve presente em outros trabalhos: "Chove Chuva",
realizada em 1997, ou "Marulho",
do mesmo ano, exposta na Bienal
de Johannesburgo, que também
teve curadoria de Enwezor. Com
a obra preparada para Kassel a
água ganha uma dimensão mais
ampla, ocupando vários espaços
da cidade, o que irá provocar uma
"coreografia dos carrinhos", segundo o artista.
O lugar da arte
Tal circulação, aliás, é uma característica de "Poema Industrial"
que dá continuidade a obras anteriores do artista: o debate sobre o
lugar da arte.
Espalhada pela cidade, de forma
acessível e democrática, a obra
questiona o mercado da arte e, ao
mesmo tempo, os espaços "sacralizados" de exposição.
Com isso, Meireles reforça a
proposta política do curador. Pela
primeira vez, a mostra alemã
apresenta um número significativo de artistas que estão fora do
circuito Europa e EUA: são quase
50% do total.
A própria exposição foi antecedida por quatro seminários com
temas como "Democracia não-realizada" e "Experimentos com
verdade". A expectativa é que temas políticos dominem o cenário
artístico de Kassel.
No Brasil, aliás, Meireles tem
uma atitude política rara. Negou-se a participar das itinerâncias da
Mostra do Redescobrimento e,
convidado por Germano Celant,
curador do Brasil para a Bienal de
Veneza no ano passado, recusou-se a participar por causa da associação BrasilConnects.
"Por favor, me inclua fora disso", costuma responder aos convites da entidade, parafraseando o ex-jogador de futebol Dadá Maravilha.
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