São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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CANNES 98
Babenco divide crítica e público no festival

do enviado especial a Cannes

Aplausos comedidos na sessão de gala, desistências e algumas vaias na projeção para a crítica. Houve empate na recepção em Cannes do novo filme de Hector Babenco, a co-produção argentino-franco-brasileira "Coração Iluminado", que encerrou anteontem à noite a mostra competitiva.
Um Palácio dos Festivais com 80% das poltronas ocupadas reverteu o impacto fortemente negativo da sessão inicial de imprensa. Ao final da projeção, durante os créditos, "Coração Iluminado" foi aplaudido moderadamente por um minuto. O tradicional cumprimento à equipe do filme, catalisado por um foco de luz, deu início a cerca de quatro minutos de aplausos. Foi uma saudação além da protocolar, mas não muito.
Falando à imprensa ontem, Babenco disse que deve remontar o filme. Seria uma reação das mais saudáveis. Uma revisita à moviola pode não tornar "Coração Iluminado" uma obra-prima, mas deve ressaltar seus méritos -aliás, concentrados em sua primeira parte.
"Coração Iluminado" é um filme na cabeça de Babenco e outro bastante distinto nas telas. São duas partes, provavelmente simétricas e proporcionais no roteiro, co-assinado pelo escritor argentino Ricardo Piglia ("Respiração Artificial"). Não é bem assim na versão filmada.
Flagram-se dois instantes na vida de Juan, assumido alter ego de Babenco. No primeiro, passado na Mar del Plata dos anos 60, vemos o rito de passagem da adolescência à vida adulta. Aos 17 anos, Juan (o excelente Walter Quiróz de "Perfume de Gardênia") se apaixona pela sedutora e desequilibrada Ana (Maria Luisa Mendonça, que brilha apesar de interpretar num espanhol não mais que razoável).
Ana e Juan se conhecem por meio de um grupo de outsiders que se empenha em inventar uma máquina que fotografe a alma. Essa vertente fantástica é das mais inconvincentes e superficiais de todo o filme. O carisma dos intérpretes mantém o interesse no trágico "amour fou" de Ana e Juan, para além desse e de outros problemas.
Esse "Retrato de um Artista Quando Jovem" dura 90 minutos, sendo substituído por uma espécie de "O Último Tango em Mar del Plata". Vinte anos mais tarde, Juan (Miguel Angel Solá) volta à cidade natal para visitar o pai à beira da morte. Enquanto tenta reencontrar Ana, acaba se envolvendo com uma misteriosa amante, Lilith (Xuxa Lopez).
Lilith deveria simbolizar um mito feminino que o Juan maduro enfrenta e supera pela última vez. No filme, falta a cartilha. A narrativa evidentemente truncada jamais esclarece bem o que acontece. Babenco insiste no fim em reunir essa segunda trama manca e a rasa fantasia do começo. O plano final é um convite para vaias.
"Coração Iluminado" representa um inédito capítulo autobiográfico na obra de Babenco. É curioso o que revela sobre sua relação com a família, o judaísmo, a sexualidade, o cinema e a Argentina. Escorado pela estupenda foto de Lauro Escorel, representa um passo adiante na construção imagética da narrativa, sobretudo pelo uso (raro na obra dele) de planos gerais.
Mas os defeitos superam e ofuscam as qualidades. A remontagem pode minorar o desequilíbrio. Jamais extirpá-lo. (AL)



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