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CANNES 98
Babenco divide crítica e público no festival
do enviado especial a Cannes
Aplausos comedidos na sessão
de gala, desistências e algumas
vaias na projeção para a crítica.
Houve empate na recepção em
Cannes do novo filme de Hector
Babenco, a co-produção argentino-franco-brasileira "Coração
Iluminado", que encerrou anteontem à noite a mostra competitiva.
Um Palácio dos Festivais com
80% das poltronas ocupadas reverteu o impacto fortemente negativo da sessão inicial de imprensa. Ao final da projeção, durante
os créditos, "Coração Iluminado" foi aplaudido moderadamente por um minuto. O tradicional
cumprimento à equipe do filme,
catalisado por um foco de luz, deu
início a cerca de quatro minutos
de aplausos. Foi uma saudação
além da protocolar, mas não muito.
Falando à imprensa ontem, Babenco disse que deve remontar o
filme. Seria uma reação das mais
saudáveis. Uma revisita à moviola
pode não tornar "Coração Iluminado" uma obra-prima, mas deve
ressaltar seus méritos -aliás,
concentrados em sua primeira
parte.
"Coração Iluminado" é um filme na cabeça de Babenco e outro
bastante distinto nas telas. São
duas partes, provavelmente simétricas e proporcionais no roteiro,
co-assinado pelo escritor argentino Ricardo Piglia ("Respiração
Artificial"). Não é bem assim na
versão filmada.
Flagram-se dois instantes na vida de Juan, assumido alter ego de
Babenco. No primeiro, passado na
Mar del Plata dos anos 60, vemos o
rito de passagem da adolescência à
vida adulta. Aos 17 anos, Juan (o
excelente Walter Quiróz de "Perfume de Gardênia") se apaixona
pela sedutora e desequilibrada
Ana (Maria Luisa Mendonça, que
brilha apesar de interpretar num
espanhol não mais que razoável).
Ana e Juan se conhecem por
meio de um grupo de outsiders
que se empenha em inventar uma
máquina que fotografe a alma. Essa vertente fantástica é das mais
inconvincentes e superficiais de
todo o filme. O carisma dos intérpretes mantém o interesse no trágico "amour fou" de Ana e Juan,
para além desse e de outros problemas.
Esse "Retrato de um Artista
Quando Jovem" dura 90 minutos,
sendo substituído por uma espécie
de "O Último Tango em Mar del
Plata". Vinte anos mais tarde,
Juan (Miguel Angel Solá) volta à
cidade natal para visitar o pai à
beira da morte. Enquanto tenta
reencontrar Ana, acaba se envolvendo com uma misteriosa amante, Lilith (Xuxa Lopez).
Lilith deveria simbolizar um mito feminino que o Juan maduro
enfrenta e supera pela última vez.
No filme, falta a cartilha. A narrativa evidentemente truncada jamais esclarece bem o que acontece. Babenco insiste no fim em reunir essa segunda trama manca e a
rasa fantasia do começo. O plano
final é um convite para vaias.
"Coração Iluminado" representa um inédito capítulo autobiográfico na obra de Babenco. É
curioso o que revela sobre sua relação com a família, o judaísmo, a
sexualidade, o cinema e a Argentina. Escorado pela estupenda foto
de Lauro Escorel, representa um
passo adiante na construção imagética da narrativa, sobretudo pelo uso (raro na obra dele) de planos gerais.
Mas os defeitos superam e ofuscam as qualidades. A remontagem
pode minorar o desequilíbrio. Jamais extirpá-lo.
(AL)
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