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Heróis revivem vigor de Thompson
RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA
Atire a primeira pedra quem
nunca quis matar alguém.
Dar um tiro no patrão, esganar o
empregado, encher de porradas a
paixão da hora, enfiar a faca no
folgado que ultrapassa pelo acostamento, dar veneno para o cachorro do vizinho. A gente não faz
isso porque sabemos que há uma
grande distância entre a intenção
e o gesto, somos pessoas comuns,
cumpridoras da lei, respeitadoras
da ordem. Os heróis de Jim
Thompson são a lei e a ordem,
mas deixam a vontade e o desejo
falarem mais alto.
Eles também são os donos da
história: narram os fatos, apresentam os personagens e se descrevem sem piedade. São burros,
preguiçosos, medíocres, dispostos a tudo para manter em paz a
vidinha vagabunda que levam em
cidades paupérrimas do interior
norte-americano, no início do século passado.
Em "O Assassino em Mim",
Lou Ford é o subxerife de Central
City. Sua vida é um teatro em que
interpreta um sujeito lerdo de
idéias, bonachão, amigo de todos,
sempre disposto a dar uma mãozinha para o chefe ou a engendrar
uma troca de favores. De vez em
quando, porém, faz o que tem de
fazer, libera a vontade que vem de
dentro, apesar do mal-estar que
sabe que virá. Daí, trata de se proteger, eliminar testemunhas, buscar apoios, seduzir ou ameaçar investigadores.
Em "1.280 Almas", número que
se refere à população de Potts, o
xerife Nick Corey reina soberano,
dedicado à sublime tarefa de viver
um dia depois do outro com o mínimo de esforço possível, o essencial para se manter no cargo.
Também não gosta de ser incomodado por quem quer que seja
-vagabundo, colega de profissão
ou a mulher com que foi forçado a
casar.
Eles contam suas histórias do
jeito direto e reto da "pulp fiction", a literatura rasteira para as
massas incultas que fez sucesso
nos EUA. Mas a pena de Jim
Thompson tem muito mais a dar
que apenas um romance policial.
Nas complicadas armações que
engendra para se proteger, o subxerife Ford escancara a teia de relações na cidadezinha interiorana, o conúbio entre o poder público e o empresariado. Já as armações de Corey e seu exercício selvagem da autoridade são um mapa das paixões humanas -pelo
sexo, pela comida, pelo poder ou
por simplesmente continuar vivo.
É esse desprezo pela moral, essa
fotografia crua dos indivíduos e
da sociedade, que faz o vigor da
escrita de Thompson (1906-1977).
Ele mesmo podia ser herói de um
romance: filho de um xerife que
perdeu o emprego acusado de
meter a mão no dinheiro público,
teve de trabalhar logo cedo, na
adolescência, quando também
conseguiu publicar suas primeiras histórias. Adulto, participou
de entidades de escritores, filiou-se ao Partido Comunista e foi vítima do macartismo (leia mais sobre ele em www.kirjasto.sci.fi/jthompso.htm; veja também
www.popsubculture.com/pop/
bio_project/jim_thompson.html).
Apesar de não ter vendido milhões em vida, ele conquistou
apreciadores de peso. No cinema,
foi parceiro de Stanley Kubrick, e
diretores como Sam Peckinpah e
Stephen Frears levaram para a telona obras de Thompson. Os dois
livros que agora chegam às livrarias brasileiras, por sinal, também
viraram filme: "O Assassino em
Mim" é "Instinto Homicida", e
"1.280 Almas" levou no cinema o
nome de "A Lei de Quem Tem o
Poder", produção francesa indicada para o Oscar de melhor filme
estrangeiro em 1982.
O Assassino em Mim
Autor: Jim Thompson
Tradução: Luana Freitas
Editora: Planeta
Quanto: R$ 39,90 (240 págs.)
1.280 Almas
Autor: Jim Thompson
Tradução: Daniel Pellizzari
Editora: Ediouro
Quanto: R$32,90 (184 págs.)
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