São Paulo, sábado, 25 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Heróis revivem vigor de Thompson

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

Atire a primeira pedra quem nunca quis matar alguém. Dar um tiro no patrão, esganar o empregado, encher de porradas a paixão da hora, enfiar a faca no folgado que ultrapassa pelo acostamento, dar veneno para o cachorro do vizinho. A gente não faz isso porque sabemos que há uma grande distância entre a intenção e o gesto, somos pessoas comuns, cumpridoras da lei, respeitadoras da ordem. Os heróis de Jim Thompson são a lei e a ordem, mas deixam a vontade e o desejo falarem mais alto.
Eles também são os donos da história: narram os fatos, apresentam os personagens e se descrevem sem piedade. São burros, preguiçosos, medíocres, dispostos a tudo para manter em paz a vidinha vagabunda que levam em cidades paupérrimas do interior norte-americano, no início do século passado.
Em "O Assassino em Mim", Lou Ford é o subxerife de Central City. Sua vida é um teatro em que interpreta um sujeito lerdo de idéias, bonachão, amigo de todos, sempre disposto a dar uma mãozinha para o chefe ou a engendrar uma troca de favores. De vez em quando, porém, faz o que tem de fazer, libera a vontade que vem de dentro, apesar do mal-estar que sabe que virá. Daí, trata de se proteger, eliminar testemunhas, buscar apoios, seduzir ou ameaçar investigadores.
Em "1.280 Almas", número que se refere à população de Potts, o xerife Nick Corey reina soberano, dedicado à sublime tarefa de viver um dia depois do outro com o mínimo de esforço possível, o essencial para se manter no cargo. Também não gosta de ser incomodado por quem quer que seja -vagabundo, colega de profissão ou a mulher com que foi forçado a casar.
Eles contam suas histórias do jeito direto e reto da "pulp fiction", a literatura rasteira para as massas incultas que fez sucesso nos EUA. Mas a pena de Jim Thompson tem muito mais a dar que apenas um romance policial.
Nas complicadas armações que engendra para se proteger, o subxerife Ford escancara a teia de relações na cidadezinha interiorana, o conúbio entre o poder público e o empresariado. Já as armações de Corey e seu exercício selvagem da autoridade são um mapa das paixões humanas -pelo sexo, pela comida, pelo poder ou por simplesmente continuar vivo.
É esse desprezo pela moral, essa fotografia crua dos indivíduos e da sociedade, que faz o vigor da escrita de Thompson (1906-1977). Ele mesmo podia ser herói de um romance: filho de um xerife que perdeu o emprego acusado de meter a mão no dinheiro público, teve de trabalhar logo cedo, na adolescência, quando também conseguiu publicar suas primeiras histórias. Adulto, participou de entidades de escritores, filiou-se ao Partido Comunista e foi vítima do macartismo (leia mais sobre ele em www.kirjasto.sci.fi/jthompso.htm; veja também www.popsubculture.com/pop/ bio_project/jim_thompson.html).
Apesar de não ter vendido milhões em vida, ele conquistou apreciadores de peso. No cinema, foi parceiro de Stanley Kubrick, e diretores como Sam Peckinpah e Stephen Frears levaram para a telona obras de Thompson. Os dois livros que agora chegam às livrarias brasileiras, por sinal, também viraram filme: "O Assassino em Mim" é "Instinto Homicida", e "1.280 Almas" levou no cinema o nome de "A Lei de Quem Tem o Poder", produção francesa indicada para o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1982.


O Assassino em Mim
    
Autor: Jim Thompson
Tradução: Luana Freitas
Editora: Planeta
Quanto: R$ 39,90 (240 págs.)

1.280 Almas
   
Autor: Jim Thompson
Tradução: Daniel Pellizzari
Editora: Ediouro
Quanto: R$32,90 (184 págs.)


Texto Anterior: Policial: "A Procurada" traz mistérios da "rainha" do crime sueco
Próximo Texto: Liga de pequenas editoras sai da Bienal
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.