São Paulo, sábado, 25 de junho de 2005

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Parlamento britânico é alvo dos irmãos Wachowski

SARAH LYALL
NEW YORK TIMES, DE LONDRES

Em uma rara concessão, as autoridades de Londres concordaram em fechar a região de Whitehall para três dias de filmagem, no começo deste mês. Centenas de membros da equipe técnica estavam posicionados na praça do Parlamento, destaque para o Big Ben e o London Eye. Mais de 100 figurantes interpretando tropas governamentais de elite formavam uma fila diante do Parlamento, enquanto 400 outros, interpretando rebeldes, marchavam.
É esse o futuro próximo imaginado no filme "V de Vingança", a ser lançado pela Warner Brothers, no qual o Reino Unido é governado por fascistas brutais, Natalie Portman é uma rebelde de cabeça raspada e a mistura de herói e membro de esquadrão da morte, V (Hugo Weaving), passa o filme usando uma máscara.
Mas o mais radical no filme produzido e roteirizado pelos irmãos Andy e Larry Wachowski e baseado na graphic novel homônima de Alan Moore e David Lloyd, é seu clímax. Trata-se de uma história em que uma população passiva se revolta contra o governo e explode o Parlamento.
"V de Vingança" tem sua estréia mundial prevista para 4 de novembro, véspera do 400º aniversário do dia de Guy Fawkes, que relembra o complô original, tramado por católicos ingleses e frustrado pelas forças leais, para explodir o Parlamento inglês.
O filme se passa em uma Londres devastada, em 2020, arremessada a um período de apodrecimento aparentemente terminal.
Explosões nucleares, guerra química e biológica, vírus incuráveis destruíram a maior parte do resto do mundo, deixando o Reino Unido isolado. O governo mantém os cidadãos sob uma mistura de stalinismo e nazismo. A essa sociedade chega V, um mascarado com um passado terrível e o objetivo de derrubar o governo, que obtém a ajuda de Evey (Portman), que adere ao movimento quando a consciência política lhe é forçada goela abaixo.
A história, na forma pela qual é narrada na graphic novel, suscita questões agudas sobre a moralidade do uso da violência no combate à opressão, e pergunta até onde uma pessoa pode e deve ir a serviço daquilo que acredita.
Para os realizadores, o filme não oferece respostas fáceis. "É politicamente ambíguo, e quanto mais crédito dermos à inteligência da audiência, melhor", disse o diretor James McTeigue.
O projeto interessava há muito aos Wachowski, que ficaram intrigados com a graphic novel original e pelas questões que ela provoca sobre "o poder que reside no governo e nas pessoas, e de que forma ele evolui", disse Grant Hill, produtor do filme com os irmãos e Joel Silver. Segundo ele, os temas são relevantes para as atuais preocupações do mundo, da guerra do Iraque à rejeição da constituição européia pelos eleitores da França e da Holanda.
Que Hill pudesse trabalhar nessa locação, e no meio da noite, representa um triunfo dos poderes de persuasão de Nick Daubeny, o supervisor de locação do filme em Londres. Daubeny teve de negociar com cerca de 14 agências diferentes em Londres, entre as quais o Ministério da Defesa, o departamento de polícia e a agência que coordena os transportes urbanos, antes de obter permissão para filmar diante do Parlamento. Todos os funcionários envolvidos receberam uma cópia do filme e foram informados que o Parlamento seria explodido. "Mas me concentrei nos perigos de um Estado totalitário, e no fato de que a cena representaria a restauração da democracia", disse Daubeny.
Uma das decisões mais importantes foi como criar a fantasia que V emprega para cobrir seu corpo e rosto devastados pelo fogo. (É uma parte de seu histórico, e se relaciona a uma passagem por um campo de concentração dirigido pelo governo.) Paterson se manteve mais ou menos fiel à máscara imaginada pelos autores originais. É uma clássica máscara de Fawkes, e reforça o senso de conexão, no filme, entre o passado remoto do Reino Unido e o presente, que pode ser interpretada de diversas maneiras.
Paterson disse que a máscara tinha por objetivo criar uma sensação teatral, de dúvida e mistério. Mas provou-se difícil de usar como uma fantasia plausível quando as filmagens começaram e outro ator, James Purefoy, estava interpretando o personagem título.
Depois de cerca de um mês, os realizadores decidiram que Purefoy não era ideal para o papel, e Weaving foi convocado. "A máscara não estava funcionando, e eu tinha de fazê-la funcionar", afirma Weaving. Um ponto crucial é que V jamais é desmascarado, detalhe cujo objetivo é indicar que ele é mais símbolo do que alguém. "Ele não é apenas um homem, ele é uma idéia, e o que ele está dizendo e fazendo importa mais do que saber quem ele é", diz Weaving.
Para Portman, o apelo do trabalho ia além de se sentir liberada pela chance de raspar a cabeça. "Essa é a primeira vez que tive a sensação de que as pessoas estão assustadas comigo", disse ela.
Segundo a atriz, no contexto do filme, o grandioso edifício não representa mais a democracia e a abertura, mas a repressão e a corrupção. "Mesmo que eu não acredite que aquilo está certo, se trata de uma destruição simbólica. As pessoas expressam inquietação e reagem à violência destruindo símbolos". Os espectadores sairão refletindo sobre o significado de tudo aquilo que viram, afirma Portman. Mas ela oferece uma possível interpretação: "É um final esperançoso, porque a revolução enfim chega".


Tradução Paulo Migliacci

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