São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2001

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"DANCING BRASIL"

Crônicas mapeiam vôos de repórter

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Crônica e reportagem, como se sabe, são primas muito próximas. Visitam-se com frequência, trocam segredinhos, saem juntas. Ainda assim, o repórter Fritz Utzeri, 56, se mostrou surpreso quando o tomaram por cronista. É, pelo menos, o que ele insinua logo às primeiras páginas de "Dancing Brasil".
O livro, recém-lançado, reúne crônicas que o jornalista escreveu entre 1996 e 2001 para a revista "Bundas" e os principais diários do Rio ("JB" e "O Globo"). Nos agradecimentos de praxe, o autor cita o nome dos dois "malucos" que tiveram "a idéia louca" de alçá-lo à condição de cronista.
A metamorfose se deu justamente há cinco anos. Durante as três décadas anteriores, Utzeri - um alemão naturalizado brasileiro, que possui diploma de médico- chegou a ocupar cargos executivos nas redações e trabalhou longos períodos como repórter.
Foi correspondente em Nova York e Paris. Cobriu, com destaque, episódios emblemáticos do regime militar (o atentado do Riocentro e o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, por exemplo). Acumulou prêmios e tapinhas nas costas.
Já cinquentão, migrou, espantado, para a crônica. Abandonou um gênero essencialmente tímido, árido, franciscano, e abraçou outro que só faz sentido quando cultiva a exuberância, a galhofa, a indignação ou a exaltação.
Daí, talvez, a surpresa de Utzeri. Repórter cria-se negando o próprio olhar. As amarras da reportagem obrigam-no sempre à economia -de sentimentos, de palavras, de opiniões. Repórter vê a tragédia e não chora, vê o ridículo e não ri. Se chora ou ri, não confessa. Diz-se "testemunha ocular do fato", mas narra o fato sem se sujar, almejando a isenção. Enreda-se, assim, em um esquizofrênico paradoxo: é "testemunha ocular" porque estava lá, perto dos acontecimentos, aspirando cheiros, ouvindo vozes; as leis da profissão, no entanto, insistem que relate tudo de longe.
A crônica lida exatamente com a mesma substância da reportagem: o cotidiano. Só que, aqui, quanto mais o narrador se expõe, melhor. Não há nada que o impeça de se manifestar, de reiterar que, sim, encontrava-se lá, diante do fato, e que o fato o modificou.
Imagine, então, o susto que um repórter leva se alguém convida-o à crônica. Por anos, o pobre manteve-se sob controle, amargando rígida disciplina. Soldado da frieza, sonhava com o dia em que lhe permitiriam adjetivar o mundo. Até que o dia chega, e o repórter sente o baque. Perplexo, escuta a nova proposta: voe!
Pois Utzeri está voando. E não deixa de ser tocante vê-lo bater asas. Os 85 textos de "Dancing Brasil" revelam-se irregulares. Uns ainda denotam inexperiência -tropeçam no ritmo, beiram o pieguismo, resvalam o lugar-comum. Outros comovem pela presença de espírito, pelo bom humor com que desnudam o passado, as culpas e os complexos do cronista.
Todos, entretanto, se elevam por resgatar a honestidade que, não raro, os dogmas do jornalismo tiram dos repórteres.

Dancing Brasil    
Autor: Fritz Utzeri
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (333 págs.)



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