São Paulo, terça, 25 de agosto de 1998

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Rascunho dos fragmentos de um fim de século

ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas

Está feia a coisa. "Something wicked this way cometh" (Shakespeare). Tradução: "Vem merda por aí!..." A sensação de que uma coisa espantosamente óbvia está finalmente aparecendo. Estão se juntando as cabeças de três bestas do apocalipse: a crise privada de um homem, a queda geral da economia e a grande ruptura entre o Oriente e o Ocidente. Os espermatozóides do Clinton, quebra das Bolsas, bárbaros versus "civilizados". Está vindo a furo a loucura acumulada. Um reprimido sexual republicano destrói o narcisismo sexual de um democrata.
O sêmen de Clinton no vestido de Monica. A humilhação do líder mundial, descrevendo o que considera "relação imprópria", anos depois da revolução sexual dos 60. Imagens em nossa fantasia: Clinton e Monica no Salão Oval, sob os olhos de Jefferson e Washington, fazendo sexo sem se tocar, para não cair na definição oficial. O fim da ambiguidade de um "babyboomer", a crise financeira mundial saindo de dentro da vagina histérica de uma burguesinha medíocre.
Assim como a morte de Kennedy foi a dessacralização da presidência pela tragédia, este episódio é a desmoralização da América pelo ridículo. A maior nação do mundo se sujando a si mesma, numa espécie de punheta a céu aberto, a mão direita destruindo a mão esquerda. A estranha ligação entre pau e foguetes, entre vagina e guerra. As "modernas" reformas democráticas, da "globalização" da economia, do "livre mercado" caindo por terra por causa da boca deslumbrada de uma perua.
Milionário saudita maluco, na "caverna do morcego" com Internet, comandando grana em bancos suíços. Bomba nuclear islâmica sendo comprada na Rússia a preço de banana. Cabeças rolam na Argélia, turistas decapitados no Egito. O fim do sonho americano, transformado em piada americana. Nostradamus vestido de palhaço, de saiote curto e manchado de porra, com nariz vermelho de Clinton, rebolando e gritando feito uma louca: "a 2000 não chegarás!"
Vinte e três babacas se masturbando no "grand jury" diante do filmezinho do porno-capitalismo. A infinita superficialidade moral dos americanos aparecendo de repente em plena "vitória". O herói vira babaca. A vitória dos puritanos sobre os iluministas. O fundamentalismo americano de um lado e o fundamentalismo islâmico de outro. Analisar a América de duas cabeças: o iluminismo dos "founding fathers", a influência de Montesquieu e Locke na formação americana e a reação dos puritanos reacionários filhos de Andrew Jackson, Truman, Wallace, Goldwater.
A vingança de Nixon. Um presidente simpático e democrata é obrigado a virar um "hawk" (falcão) para se salvar. A evidência de que "boa-pracismo" e flexibilidade não funcionam diante dos vorazes interesses corporativos. A "corporate America" não tolera multiculturalismos ou humanismo. A América corporativa é realmente o demônio, os islâmicos estão certos neste ponto. A imensa estupidez por detrás da eficiência.
Sequência sinistra: Monica chupa Bill, Kenneth Starr descobre tudo. Congresso republicano veta mais verbas para FMI.
Derrocada na Rússia miserável com 40 mil bombas. Japão, China, tudo explode. Tragédia econômica mundial motivada pelo moralismo mais rasteiro e vagabundo. "Blow job" vira "blowback". Clinton revigora pau humilhado com foguetes Tomahawk. Um pensamento chulo: quem Clinton vai comer agora? Hillary, nem pensar. Outras mulheres, "bimbos" e estagiárias, perigo total.
Terrível fim de século: presidente americano se masturbando de noite no Salão Oval, enquanto mísseis caem no Islã. Bandeiras americanas sendo queimadas enquanto Linda Tripp, a besta do apocalipse, comemora 1 milhão de exemplares vendidos. A língua de Monica uniu os terrorismos muçulmanos. Israel é destruída por causa de Starr, empregado dos lobbies dos planos de saúde, do tabaco, dos racistas do sul, de Jim Johnson, a vingança de Arkansas, de Little Rock, onde negros eram queimados vivos como os sudaneses sob os foguetes inteligentes.
A inveja do pênis de Clinton, a vingança das mocréias de direita contra o presidente galã. O belo Reagan foi tolerado por ser reacionário. A vingança dos caretas, contra o sax, a maconha, as mulheres de Bill. A inveja do mundo emergente para com o progresso americano. O despreparo dos EUA para lidar com a diversidade cultural do mundo. O solene desentendimento dos EUA para com a importância de sua liderança. A impotência dos onipotentes diante de tanto poder.
A hora de pagar a conta por Nova York e pelas "vitórias" da civilização americana. O sentimento de culpa de ser o maior e mais rico. Um país de "winners" virando "losers" no fim. O filme de horror que Hollywood não previu: não um asteróide, mas um "espermatozóide do apocalipse". A frase profética de Elliot de que o mundo ia acabar "com um gemido". Gemidos de Monica e Clinton. O "bang" dos foguetes. "Whimper and bang". "Bang", em gíria, também é "foda". A proximidade do sexo e morte, Aids primeiro, morte e amor; agora, bombas e esperma. O ontogenético e o filogenético se encontram no fim do túnel.
Finalmente a grande guerra da estupidez humana: de um lado a barbárie suja e teocrática do Oriente lutando contra a estupidez "clean" dos puritanos fundamentalistas americanos. Argelinos, indianos, líbios, iraquianos, afegãos imbecis quebrando a banca do racionalismo ocidental. A barbárie fanática revelando a barbárie ridícula. Quantos malucos de "djelaba" medieval não estarão agora preparando bombas de antrax para soltar na Broadway?. "Give my regards to Broadway", canta o fanático do jihad particular...
O fim das palavras. Fim da "democracia", fim da "razão", fim da "liberdade", fim da grandeza, fim da arte, fim da esperança. Crise do capital começa com crise conjugal. Todas as belezas da filosofia afogadas num jato de esperma. É a lama, é a lama. O fim da modernidade. Os computadores estavam certos, no ano 2000 devemos pular para 1900. A desesperança do articulista: escrever para quê? Ataques especulativos na Venezuela rondam o Brasil, com déficit público de 8% do PIB. Filmar para quê? Nada adianta.
Vontade de vomitar.



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