São Paulo, Segunda-feira, 25 de Outubro de 1999
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O DESTAQUE

Yuan traz subversão às telas da China


AMIR LABAKI
do enviado a Yamagata



Zhang Yuan é o nome da hora do cinema chinês. Trata-se do "enfant terrible" da chamada sexta geração, aquela imediatamente posterior a de Chen Kaige e Zhang Yimou. O massacre de Tienamen, em 1989, é a fronteira entre elas.
Alternando filmes de ficção e documentários, Zhang tem tratado de tabus como o homossexualismo e o cotidiano na praça sitiada. A mostra apresenta seu último longa de ficção, "Dezessete Anos", lançado no recente festival de Veneza. Por sua vez, Yamagata teve nesta semana a primazia da estréia de seu novo documentário "Crazy English".
"Dezessete Anos" passou em Veneza sem o reconhecimento oficial chinês. Foi finalizado na Itália, na Fabrica, o instituto cultural da Benneton. O desconforto diplomático parece exagerado.
O próprio Zhang classificou-o como "um filme mainstream" ao ser visitado em Pequim por Charles Tesson, enviado dos "Cahiers du Cinema", em março passado. "Dezessete Anos" concentra-se sobre uma tragédia familiar.
Um casal de meia-idade se forma, cada qual levando uma filha jovem para essa segunda família. A rivalidade entre as garotas só faz crescer. Uma delas faz cair sobre a meio-irmã a culpa de um pequeno roubo doméstico. Antes que tudo se esclareça, a acusada mata acidentalmente a irmã.
O título anuncia o tempo que ela passa atrás das grades. O centro do filme é sua lenta jornada rumo ao reencontro familiar. A China de Zhang parece tão solidária quanto policialesca. O Grande Irmão orwelliano oculta-se sutilmente em cada esquina.
"Crazy English" insiste na mesma estratégia. O personagem central, Li Yang, é um professor de inglês. Li criou um método de ensino baseado em vinte sinais. Lançou-o em 1988, aos 19 anos. Desde então, tornou-se uma estrela. Suas aulas viraram o Li Yang English Show e já reuniram 13 milhões de chineses
"Crazy English" devassa seu método. Li é na verdade um mestre em auto-ajuda. Suas aulas de inglês, não raramente proferidas em estádios, mal disfarçam sua pedagogia para o capitalismo.
Zhang fez do retrato de Li um filme radicalmente subversivo para a China contemporânea. Um sistema que se anuncia socialista assiste, impassível, à mais dogmática defesa do individualismo. Os órfãos de Tienamen suportam a repressão enterrando o livro vermelho de Mao sob o louco método de Li.


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