São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pina Bausch à baina



Os cinco dias da coreógrafa alemã em Salvador


Para compreender o Brasil, grupo de Wuppertal visita terreiros, favela, roda de capoeira e casa de pagode


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Quem esteve em algumas das mais populares casas de pagode e forró de São Paulo e Salvador nas últimas duas semanas certamente surpreendeu-se ao encontrar uma senhora muito magra, toda de negro e com seus olhos azuis sempre atentos.

A coreógrafa Pina Bausch, no período em que esteve no Brasil, fez questão de visitar os locais de danças típicas e, sempre que foi convidada, mesmo com 60 anos, não recusou arrastar o pé.
Assim aconteceu em São Paulo, na casa de forró Remelexo. Bausch esteve três vezes lá, a última no domingo dia 17, após a apresentação final de "Masurca Fogo". A coreógrafa levou Caetano Veloso, que chegou a cantar "Cajuína" com o trio Virgulino. Só saíram de lá às 3h.
No dia seguinte, a coreógrafa foi a Salvador, como parte de sua pesquisa para o próximo espetáculo sobre o Brasil. A Folha acompanhou com exclusividade o período da imersão baiana.
Na Bahia, Bausch foi ciceroneada pelo produtor Emílio Kalil, auxiliado pela bailarina Gisela Moreau. Sua única exigência foi visitar lugares populares.
"O que me interessa é a vida real, não busco ver representações dela, pois são obras já prontas, e eu tenho de pensar na minha própria obra", diz.
Assim, a coreógrafa visitou terreiros de candomblé, casas de pagode e mercados. "Não se deve imaginar que ela vai fazer um retrato desses lugares, o que Bausch faz é captar o espírito desses locais e sua energia e transpô-los à sua maneira para o palco", conta o bailarino Jorge Puerta, um dos oito que viajaram a Salvador, além do cenógrafo Peter Pabst.
Após a primeira noite em Salvador, Bausch já pensava em prorrogar sua estada. "Acho que vou ligar para o Ronald (seu marido) e pedir para ele vir passar o Natal aqui."
O motivo da excitação foi a casa de pagode Língua de Prata, no bairro de Itapoã. Foi a primeira visita de Bausch e seu grupo. Chegaram lá às 22h e só saíram após a festa acabar. "Vamos ouvir só mais uma música", prometia Bausch a um dos bailarinos quando algum deles alegava cansaço.
A coreógrafa passou a maior parte do tempo sentada, olhava impassível tudo ao seu redor. "É como ela faz quando dançamos, Pina retira sua energia do movimento dos outros", disse Puerta. Entretanto, a coreógrafa não recusou dançar quando foi convidada por uma das pessoas que estavam no forró. O que aconteceu também com toda a companhia, ninguém dançava com seus colegas, mas queriam conhecer a ginga local.
No dia seguinte, foi a vez de visitar o mercado de São Joaquim, um local no formato dos requisitos de Bausch. Seu grupo percorreu as ruas estreitas, com os cheiros das frutas e legumes locais, experimentando tudo o que lhes era oferecido. A sensação foi comer pedaços de cana-de-açúcar.
À noite, o grupo foi ver o Olodum, no Pelourinho. De camisa amarela e calças brancas, quebrando o sempre negro vestuário, Bausch misturou-se à multidão e ensaiou passos. Os bailarinos da companhia ficaram fascinados com as coreografias. "Tudo aqui parece girar em torno de sexo", disse o alemão Michael Strecker.
Bausch fazia questão de que o grupo estivesse sempre junto, tratava seus bailarinos de maneira maternal, o que incluía olhares bravos quando algum deles queria escapar da intensa programação. "Temos pouco tempo, precisamos ir ao máximo de locais possível", dizia.
Na quarta, a companhia foi até a favela do Candeal, onde Carlinhos Brown mantém o Candyall Guetho Square, palco de shows da Timbalada e de projetos sociais com adolescentes. Quem mais se sensibilizou com a visita foi a bailarina brasileira Regina Advento, que viaja com sua filha de um ano, Jasmim. Como Brown, ela nasceu em uma favela em Minas e também tinha o pai pedreiro.
O grupo caminhava pelas ruas liderado por Brown, que era saudado pelos moradores. No quintal do Gueto, o cantor mostrou a Bausch uma árvore com vários instrumentos pendurados. "É para mostrar que o som também vem da madeira", contou o cantor. "Esse é o tipo de história que Pina adora", comentou Strecker.
Sexta, Bausch e seu grupo embarcaram para a Alemanha. A coreógrafa desistiu de passar o Natal na Bahia, mas talvez volte em janeiro, junto com Pabst, este já com a volta acertada.
A peça sobre o Brasil estréia no teatro da Ópera de Wuppertal no dia 12 de maio do próximo ano e deve ser apresentada em agosto em São Paulo. "Mas nem me lembre disso agora", disse Bausch ao se despedir do país.

O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do Museu de Arte Moderna da Bahia

Texto Anterior: Polêmica: Rapper MV Bill lança clipe acossado pela polícia do RJ
Próximo Texto: Trecho de "Soldado do Morro"
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.