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Um Bergman cristalino
da Redação
É de se entender, vendo "A Fonte
da Donzela", a admiração de Ingmar Bergman pela obra de Robert
Bresson e pelo universo do escritor
Georges Bernanos, dois católicos
radicais para quem o principal
atributo humano parece ser o mal.
Bergman não é tão pessimista, ao
narrar a lenda medieval nórdica de
Karin, a jovem virgem que, ao atravessar uma floresta, é estuprada e
morta por dois pastores. No local
do sacrifício de Karin surge a fonte
a que se refere o título.
Esse é o final do filme, mas não
tem a menor importância conhecê-lo antecipadamente. "A Fonte
da Donzela" é como uma ópera,
que se aproveita melhor tanto mais
se conhece a história, cujo sentido
não está na trama de vingança (pai
mata os assassinos da filha etc.),
mas no jogo de oposições que se
cria ao longo dela.
A jovem Karin opõe-se a Ingeri,
garota grávida que também foi estuprada. Maldita, Ingeri quer ver
Karin estuprada. Da mesma forma, a mãe de Karin desejará a morte de seus assassinos. O pai, por
fim, não medirá sua ira no momento da vingança. Além dos dois
estupradores, eliminará ainda o irmão deles, um menino que não tinha nada a ver com a história.
Em suma, a fonte que jorra no final do filme não livra os envolvidos da tragédia, mas irrompe como uma intervenção divina, pela
qual os sentimentos humanos -a
inveja, o desprezo, o desejo de humilhação do outro- são de certo
modo resgatados.
Saímos, nesse final, do registro
Bernanos/Bresson, em que a humanidade fica entregue a sua capacidade infinita de errar, enquanto
Deus ausenta-se. Aqui, a capacidade de errar é idêntica, mas Deus
consente ao final em acenar com
um milagre, pelo qual nos purifica
desses erros.
Para contar uma história dessa
natureza, o mínimo que se poderia
esperar era isso: uma narrativa tão
cristalina quanto a água da fonte.
Bergman não nega fogo. Constrói
um sistema de oposições e simetrias claro e cria personagens tão
simples quanto eficazes (ao qual
vem se juntar a cópia impecável,
que dá conta dos contrastes e da
luminosidade do filme).
Nesse sentido, vale a pena notar
algumas cenas primorosas, como a
de Ingeri solitária, logo no início,
passando da sombra à luz e vice-versa; a confissão silenciosa do crime pelos dois irmãos; e, naturalmente, a sequência final, em que,
no lugar onde é encontrado o corpo de Karin, começa a jorrar a fonte da donzela.
Dito isso, convém dizer que "A
Fonte da Donzela" talvez não seja
um dos maiores filmes do realizador sueco. Pelo menos impressiona menos que "Noites de Circo" ou
"Morangos Silvestres". Mas seu
despojamento, elegância e clareza
têm a marca de um cineasta invulgar e de certa forma nos ajudam
melhor a conhecê-lo do que suas
obras-primas.
(IA)
Filme: A Fonte da Donzela
Produção: Suécia, 1959
Direção: Ingmar Bergman
Com: Max von Sydow e Gunnell Lindbloon
Quando: a partir de hoje, no Estação Vitrine
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